quarta-feira, dezembro 28, 2022

modelações XII

 

 

 
O Viajante 3 - Óleo sobre tela
 Anos 90 - 73x100

 

   Os trapos da memória ainda são esqueletos ambulantes!? – há sensações que percorrem um sufoco jubiloso, um precipício avistado num horizonte esparso à beira do promontório, algo como o naufrágio no nevoeiro; não se veste a vida com lágrimas! – o cavalo dentro da pessoa galopa, arrasta o inverso para as algibeiras dos espelhos redondos; e, o seu avesso suporta a azáfama diária com coices de maravilha nas virilhas;  

Acordado, versa uma moleza nas mãos, um desvio para o lado das folhas caídas, forçosamente cobrindo uma visão outonal sobre as vértebras do esquecimento – parca existência! Os brilhos das plantas não são nódoas na paisagem, agitam os ombros amargos dos que trabalham fugindo ao seu declínio, – zumbidos de vespas;

Cava-se a terra para que o deserto nasça!? – a fartura da distraída tristeza glorifica os ventos movediços, aclara incertezas do acaso; todo o ser necessita da sua paixão! Abro as mãos como folhas suspensas, não há rogos para os abismos; sustenho o andar alinhado ao vento que passa, como andorinha empurrada para o silêncio, a voz ensaiando a triste leveza dos braços pendidos; sou o andaime de mim mesmo nesta casa em construção; musica nos ouvidos das rosas, – concertos dos alfabetos;

Como construir a casa!? O peito esforça-se na dor enlaçando os dedos aos afagos que o tempo levou, águas passadas como cerejas nos oceanos do outono;

 Pinceladas apagam-se na tela como se uma tinta incolor fosse aplicada sobre o branco sem forma; nada surge sobre a planura da obsessiva nudez que risque um raio de alegria, uma flor ainda que derrubada, por exemplo! nem mesmo uma pétala sonâmbula ou lagarto ao sol; arrasta-se os ecos sobre a franja do Só, como balada dos nervos habitados por ecrãs despovoados – inertes volteios das vozes; nenhum coração palpita sobre o vazio da mente;

 Presencio as calças rasgadas dos vestuários da moda, verifico que não têm dentro pernas eternas, nem encontros com os pontos cardeais da sorte; costurando rascunhos na pele como solfejos amortalhados das errâncias furtivas, derramam olhares perscrutando a carne sobre os rasgões da abundância; deambulações pelas caves do sol; regalos de destinos precários fertilizando o oásis das viagens;

Caminhadas de Sísifo pelas escarpas chegam aos lutos da madrugada; a relutância desavinda dos pedregulhos em mergulhar na glória desafia as pegadas de qualquer herói; e, o esplendor pendurado nas algibeiras cresce lentamente, muito, muito lentamente, dando nós nos brincos;

Mensageiros virtuosos atravessam os céus coloridos, de um lado para outro, sem cólera que se lhes pegue ao rabo.

De tudo isto se queixam os profetas da amizade corporal, assobiando nas clarabóias dos arrendamentos locais, acostadas às urbes poderosas. 

 

 

sábado, dezembro 10, 2022

modelações XI

 

 

 

 

 Mulher - estudo para uma escultura

Desenho a grafite sobre papel 29.5x21 Anos 70

 

     Tão clara é a noite como o dia quando os olhos adormecem, e, neste viver acrílico que a abundância nos trás, o amor deita fogo ao deserto; falta-nos o azeite das luzernas, e a levedura do fermento advêm melancolia crispada; cresce o súbito acento das vozes como pão inflamável; sobre uma mão que se dá com sede e sem dedos de chuva, estou aqui medindo a quantidade de inverno que falta para que possamos ainda usar o chapéu-de-chuva, vestir risos sobre as árvores, dormir com as suas folhas como companheiras dos devaneios diários; calçar os sapatos domingueiros, beber a bica na esplanada aqui próxima, tirar o chapéu da solenidade, endireitar as costas no espaldar da cadeira; há ninhos que adormecem nos olhos e vegetação que alimenta a alegria; sente-se o viver do corpo quando a dor amaina, ou, se bebe o inverno com frenesim; é aí que a saudade mora próximo, e baila com esta dor do tempo agudizado, lambendo o choro daquele algodão cinzento, metálico, que foge, – sótão enraizado e dúctil; na esfera do contrabando vive-se de empurrão, arrastam-se as mãos pelos caminhos nevoentos com a alegria das moscas voando em círculo, como se o prazer do eterno cuspisse nos dedos sedentos, e as vozes do silêncio andassem de costas voltadas para o crescimento das raízes, – subterrâneos da vontade aflita; a pele dos homens é um cemitério de desejos, aí morrem os lingotes de ouro que a terra oferece; tanta crueldade apontando aos infortúnios dos nossos haveres, deixa-nos sôfregos de amor com a língua rodeando os poros da errância; a casa veste-nos de um orgulho de mãe parida e doce canto, alardeando as suas migalhas; os intestinos, essa pele que tritura a fome como vício da natureza, absorvem o húmus da liberdade requerida, e troveja com relâmpagos do anonimato; e, os olhos! – uma nata devoradora de imagens decorando o coração, com janelas poéticas?  – levantando o peso da eternidade, andamos nus com o saco do destino às costas, abeiramo-nos de nós como uma válvula de fuga sobre a intermitência do vazio, –  irrisório trabalho da sobrevivência; e porque sobeja do segredo das vozes um medo do outro, - o silêncio é de ouro! o corpo move-se, e, sendo a pele elástica, talvez a dança convide à resistência;

 

– a grande tenda plantada sobre a calçada, impunha frente à água reluzente, o desafio ao abafado  medo, como vertigo sonoro na parada militar; absorvia os ecos da solidão, pensei, quando estaquei junto ao palco e a força sonora vampirizava os tímpanos!

 – O gingar delas era uma pulsão de beijos, naquela noite em que descendo, cheguei à doca; cuspi um certo veneno residual, pois a noite trazia-me no tempo longo, as suas reivindicações!

– sinto-me a abraçar as flores como um cão vadio!

 – revoguei o que, a mim, outrora tinha dito, que – aquela dança era de macacos; fluindo da densa harmonia dos astros, das esferas desesperadas da sexualidade, na exuberância crispada do corpo, reneguei o peso daquela maldição exótica, esgueirando na memória uma surda melancolia, como se uma esponja empapada em mel lavasse um coração ferido; limpando os olhos bebi a saudade como hino vertiginoso da alegria olhando desmesuradamente os contornos daqueles abanões corporais; hino cravejado de balas;

– seria um absurdo dizer que fiquei, magoado! o olhar adentrou pelos intervalos dos corpos, e parei, … remoí no meu passado como se estivesse a descascar uma cebola!

 – sincopadas vozes acudiam do ecrã de musselinas, dentro e fora, abeirando-se dum corpo lasso e desajeitado; não mais seria possível regressar aos - verdes anos – como se o tempo, evocando-o, tremesse de saudade, sendo contudo o carrasco que vai decepando os nossos dias; e entanto, uma beleza lúgubre, como bainha de espada brilhando, revolvia na pesada dose de ternura uma congestão muscular, quase um vómito de amargura crepuscular;

– neste cenário de cristal expande-se a vertigem!