segunda-feira, março 30, 2020

Outro mundo é possível


 Outro mundo é possível XVI
  agudo silêncio III

Globalização - estudo para pintura  Guache sobre papel   24x38   2020 


    Se eu fosse o outro sem o saber
Sem ser aquele que o saberia
 Sem saber o que o outro seria 
           - Ai que saudades que eu disso teria –
 

            Quadra feita a sonhar, cantarolando:04.10.18 - 4h da manhã



quinta-feira, março 26, 2020

Outro mundo é possível


Outro mundo é possível XV
 agudo silêncio II

Novos horizontes - estudo para pintura  Guache sobre papel   24x38   2020 


o riso abre-se
na tua boca pequenina

o inverno acolhe a memória

por onde eu vou
é o chão da água



sexta-feira, março 20, 2020

Outro mundo é possível

Outro mundo é possível XIV
agudo silêncio I

 
 Da série O alguidar de plástico  - pintura  a óleo sobre tela 


As palavras dobradas ao meio
seguem-me

Por um instante vou
como um sopro no escuro
habitar o irremediável

 – é a tua voz nocturna doendo na claridade invisível –

O mundo – esse!
mesmo que escoves os dentes
cresce devagar

 Colocaste uma lanterna sobre os olhos e penetras o indizível

– mas com o corpo a arder em silêncio
como posso vestir-me de sonhos – 
Desdobrando as palavras?


terça-feira, março 17, 2020

Outro mundo é possível


Outro mundo é possível XIII


O outro "eu"
   Estudo para auto retrato VI 
Montagem: molduras, tinta plástica vidro e plástico 
 40x30  Março 2020


Joguei duas azeitonas ao ar, – caíram! – o cientista tinha razão, - tudo cai para a terra, a gravidade derrota os sentimentos, pensei eu; - é certo que tudo cai, - alijou audível da garganta, o amigo que se ia aproximando, à sorrelfa, como quem não quer a coisa; disse então: - eu e tu, sobre este assunto pensamos exactamente a mesma coisa; inopinadamente balbuciei: - eu-tu somos da mesma paixão, e provavelmente tu-eu, também – conclui!

Argumentou de seguida um deles, falando para o outro em voz alta, de modo a que a aura de tão grande exercício especulativo os envolvesse sumptuosamente: - vamos andando distraidamente, está um papel no chão, e pensamos ambos: - alguém o deitou para o chão! – é razoável dizermos: pensamos o mesmo! - logo somos eu-tu e tu-eu, em uníssono assentimento verbal, assim aprimorando como que uma transcendental união, ainda que não no corpo! Concordaram que essa lógica não era de todo absurda, e que, embora houvesse uma certa utopia na razão que, ligando os dois naquele modo abstracto, havia outrossim, alguma luz que lhes parecia os penetrar, como evidência do ser absoluto.      

Um outro amigo, que tinha ido às compras a uma mercearia de vernáculo recheio, e que por ali passava, desembrulhava distraidamente um rebuçado de mel, enrolado em papel vegetal; ouviu juntamente ao resmalhar do amarrotado quebrar, ainda a ultima frase: - está um papel no chão! - aproximou-se e disse peremptório: - com certeza, se está um papel no chão, é porque alguém o deitou fora! - o que intencionalmente ou não, figurava a cópia textual do dito anterior! Logo o tu-eu – podemos assim nomeá-los agora –, disse de seguida: - se ele pensa como eu-tu, e mais, como tu-eu! é pertinente aditar que, eu-tu, tu-eu, ele-eu-tu e ele-tu-eu constitui uma trindade quádrupla; - claro…, acrescentou o tu-eu: - tanto mais que, se A = a B, e  B = a C, C é igual a A, positivou o eu-tu, - habitando no ser único do espaço-tempo deste momento!

O ele-eu-tu, o memso que o ele-tu-eu, depois de ter deitado o papelito que anteriormente cobria a guloseima, para o contentor do lixo que ali estava à mão, lembrou-se de questionar: - suponhamos agora o seguinte -, com outro alguém, que ajuizando sobre esta causa dissesse exactamente o mesmo, ao observar o mesmo papel no chão, - constituiríamos a partir desse momento, um quarteto? – exactamente, respondeu o eu-tu, que era expedito: - e tendo em conta o mesmo enquadramento psicológico racional que informou o nosso raciocínio anterior, temos que de esse, outro alguém, se poderá dizer que é outro-eu-tu, outro-tu-eu, outro-ele-eu-tu e outro-ele-tu-eu, donde podemos concluir que estamos em presença dum quarteto que logo será tal como: eu-tu, tu-eu, ele-eu-tu, ele-tu-eu, outro-eu-tu, outro-tu-eu, outro-ele-eu-tu e outro-ele-tu-eu, o que configura um quarteto óctuplo!

Ficaram pensativos durante alguns segundos, tentando entender melhor o que evidentemente era já para o pequeno grupo uma evidência, mas que pressupunha também alguma irracionalidade; foi quando o tu-eu-ele o mesmo que o ele-tu-eu – acrescentando que a ordem dos sujeitos se tornou arbitrária - , objectou: estamos em presença de quantidades irracionais, assim como há os números ditos irracionais! Ao que o eu-tu, expedito, acrescentou, interrogando os seus interlocutores: terá sido assim que se deu o milagre da multiplicação dos pães?

 Despediram-se então, amigavelmente, não sem que um deles ainda dissesse, em tom de voz não menos interrogativa: - será algo que terá a ver com matemática esotérica, ou exotérica?