quinta-feira, setembro 14, 2023

modelações XXI

 

 

 
 
Construção  Desenho a grafite sobre papel

 104x79 Anos 90


O risco atravessa o corpo, chega à mão, vê pela ponta dos dedos a densa brancura, que afaga; mede o espaço cintilante, e, absorve o sopro do mundo como um dédalo de vozes numa madrugada azul; o caminho das sombras constrói segredos, o objecto é a maldição do olhar, crispa a retina numa alucinação de desejos, – fortuitas forças ocultas; eleva o além à substância da forma; retém o – amor louco – desbravando o contorno e a densidade do elemento, exaltando as quinas do destino na deriva da mão assustada; naturalmente há um pouco de loucura na desenvoltura que anima a imaginação como uma pequena febre da efabulação dos astros, a manhã dourada de reflexos e pensamentos; é preciso oferecer ao ofício a ternura cristalina do olhar e fundir o ver com o pulso –, o pulso é o poema em elaboração; voz que absorve os invernos soturnos, os dias amachucados, os ventos solitários e vazios –, o pulso vive no circo e uma criança de olhos amadurecidos observa o impalpável: a crista do papagaio que dança, o trapezista que anima a expectativa desdobrando a ânsia em pavor, – medo reluzente; aéreo e volátil num nevoeiro de sensações ingentes e absurdas o pulso fragmenta o objecto numa surdez luminosa, – implacável reunião dos atritos; é o desenho animado da sua pureza animal onde certos sintomas da razão se acumulam, como os bagos da romã acrisolados debaixo da casca, aí anichados com os segredos da matéria; é doce e áspero quando se risca o papel de lantejoulas; esta nudez é um longo exercício com pólvora animal, uma força côncava do ombro que serpenteia no olhar com afagos de mel e encarniçamento; riscar é soltar as labaredas da emoção, farfalhas do coração aberto e volátil como um sopro de angústia num jardim de rosas; necessita-se do silêncio da fala para que a desenvoltura do risco evolucione, crie raízes encostadas à razão, e o que estando vazio e morto como uma pérola, brilhe com soluços transparentes; se a voz navega à bolina pelo contorno afora vive o sujeito no seu mostruário de loucura, soprando como um camaleão com a língua de fora e unhas de lápis aceso, – já alguma vez desenhaste?