
Segundos antes de entrar pela porta da ervanária estava a ver um senhor baixo, ligeiramente gordo e um pouco careca que costumava dar conselhos em tom sapiente
.
Quando entrei, atrás do balcão, sentada, estava uma pessoa feminina dos seus setenta anos, magra, escorreita de feições que continuou a conversar com uma outra.
Esperei enquanto confirmava com o olhar o estabelecimento onde me encontrava!
Algum tempo depois a senhora do balcão levantou-se firme, como se um reflexo de luz me tivesse batido nos olhos, e disse:
-E este senhor o que deseja?
-Acabe de atender aquela senhora, respondi.
A terceira pessoa apressou-se a pedir desculpa e dando um passo em direcção à porta, torceu o pescoço para a despachante e continuou pingando mais uma palavrinha. Por fim saiu.
Aquilo fez-me lembrar a mercearia onde cresci, vendouvindo o pessoal que ali ia abastecer-se; - as mulheres conversavam infinitamente!
Direccionado numa postura erudita, classificava: - galinhas!
Mostrei as minhas mazelas…
- ah, sarna não é não, retorquiu a balconista categórica. - Isso é bicho-rastolho.
Aquele nome que já havia dezenas de anos não ouvia fez-me recuar novamente no tempo da memória.
- É um bichinho muito pequeno, mais pequeno do que a pulga da galinha, vai na poeira, não se vê. – sabe, a minha mãe, debaixo dos peitos, quando aparecia o bicho-rastolho, punha uma pinga de azeite.; o bicho rastolho não quer nada com o azeite. Para a pele – continuou, tenho esta bisnaga de Aloé Vera, é o melhor.
Era a última bisnaga da caixa. Enquanto a entregava para as minhas mãos, eu, olhava para a balconista, tentando recompor-me daquele fluxo momentâneo do passado;
- reflectia novamente sobre conclusões a que havia algum tempo chegara: - é preferível conversar do que ir parar às “terapias de grupo”. Aquelas conversas de bicho-rastolho, pó, eiras, palha, calor, verão tinha ouvido vezes sem fim enquanto as mulheres esperavam pelo arrieiro.