quarta-feira, janeiro 18, 2023

modelações XIII

 

 

Vista do Tejo do Miradouro de Santa Luzia

 Desenho a grafite sobre papel 23x33 Anos 70

 

  Há algum silêncio que se abra em flor? – pela planície do olhar estende-se o corpo por arar; as palavras descarnadas ferem os sonhos antigos, atiçam a memória melancólica dos aveludados regalos projectados em lenta combustão das vozes; tempos de mármore húmido, aconchego mineral dos sentidos ao redor da lareira nas noites de invernia; as campanuláceas trepadeira e o zumbido dos besouros acetinados de preto, negro airoso, viajando em redor; onde estão as credenciais que me abriram o coração? – porquanto os campos verdes mastigados com avidez e solicitude iam depenando os olhos, faziam-se ouvir ao longe os sinos das formas cruentas refrescadas pelas cores abruptas e suas nuances;

As metamorfoses da cidade são apreciáveis –, as ruelas estreitas bifurcando-se, dobrando, aqui e acolá, a caminhada em ziguezagues, dando sinais de uma atrofia espacial como se o casario tivesse sido comprimido por uma força de uma maldade latente e poderosa; em certos ângulos vistosos apodrecem as janelas de antigos palácios sumptuosos, onde se amparam tugúrios amarrotados; becos lavrados duma secura de silêncio das fachadas, esfoladas pela humidade as areias que as cobriam; soltando-se delas a dor duma cidade enrugada de bocejos da noite; acaso, um ou uma, galga a escadaria ou a íngreme calçada! No chão brilham alguns plásticos que o vento vai arrastando, restos de embalagens crispando alguma delicadeza do espaço, joeirando e soterrando no interior da memória, outras épocas, tão distantes como o olhar abismado no asfalto;

Pelas encostas, os criadores de cerimónias cintilantes, espalham-se como bichos esvoaçantes, pregados aos nervos de um guarda-chuva em riste; o guia deixa no ar os zumbidos do discurso glorioso, apontando para esta ou aquela direcção; a algazarra colhe com a mansidão dum riso ou a força circular do vento nas esquinas dos olhares;

Se a liberdade livre existe é só num instante, naquele lapso de energia libertada redemoinhando no universo da fantasia, sugado pelas foças de onde nascem e crescem as árvores, as flores, os crepúsculos e os enigmas do ódio e do amor, a formiga e a cigarra;

Resta esta poesia de risos fugazes desprendida dos ócios voluntariosos, rolando despenteados pelas colinas envidraçadas, aos magotes.