sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Carnaval de Loulé 1974






Havia qualquer coisa no ar, sentia-se, sentíamos que a sombra já não podia voltar a ser sombra negra, talvez um sopro de audácia bastasse para levantar a cara em direcção a uma lufada de ar fresco; foi nesta disposição de animo que um grupo de ainda moços, tomou em mãos fazer o Carnaval daquele ano, aquele e o único.
Loulé e Faro uniam-se por essa época, numa esperança animada de actividade colectiva; em Loulé, a rapaziada tinha tomado a Direcção duma Associação Recreativa, e, em Faro já de azáfama em azáfama, enchíamos Cineclube, Círculo Cultural do Algarve e por tertúlias de cafés, Atlântico, Gardy, Aliança; também em casas particulares se tertuleava, ouvia-se Zéca Afonso etc..
Os que carregavam desesperos de lutas antigas, alguns já tinham estado presos, juntavam-se aos mais novos dando ao conjunto um murmúrio opinativo que sorrateiramente se transformava em acção política.
Caberia aqui interrogar-mo-nos, em que ordem cabe à cultura entrar no quotidiano? ou, se no quotidiano a vida que cada um leva, faz ou constrói para si, não se revivifica somente quando se impregna de algo a que chamamos cultura.
Regressando ao filme do Carnaval de 1974; o meu primo Valter em nome da direcção acordou com a Santa Casa da Misericórdia de Loulé para quem contribuíam os proventos e por isso responsável na época pela realização do Carnaval, mas que tinha desistido de o fazer, a organização e realização do Carnaval desse ano de 1974, através da Sociedade Recreativa( cujo nome correcto não me lembro).
Em contactos assíduos que o grupo de activistas de Loulé mantinha com os de Faro, foi o Valter que acercando-se de mim e do Zé Maria Oliveira convidou-nos a desenhar os carros alegóricos, e logo de imediato decidimos que deviam ter uma carga politica, ainda que escondida. De outra maneira não havia hipótese.
Na tertúlia de café o Zé Maria e eu, a uma mesa sentados na Gardy, pegamos em guardanapos de papel e aí esboçamos em desenhos uma série de ideias de critica de costumes e de denúncia.
Carros alegóricos como: a Casa algarvia "para vender", a telenovela radiofónica " Simplesmente Maria", a "Miss Beleza", o "Bacalhau" que não aparece nas imagens, a "Cegonha" agoniando com o fumo das chaminés, as "Pombas da Paz na Balança da Justiça", o "Corredor de bicicleta esfalfado" e o "Burro" que se esgota no trabalho com a matrícula MC.069 ( Marcelo Caetano, e liberdade na sexualidade) representam a possível intervenção critica. Esboçamos o cartaz e alguns dias depois entregamos ao Valter os guardanapos com os desenhos que juntamente com a equipa de Loulé deu de imediato início à construção, porque o tempo já não abundava.
O calculo da despesa foi de "mil contos", o que para a época era uma enormidade, mas o Valter nunca dasanimava; o Baile do Celeiro iria cobrir e fazer que desse lucro.
E assim foi.