sexta-feira, maio 27, 2022

modelações IV

 

 

 Grandes férias no Algarve - Pintura a óleo sobre madeira prensada

 80x107 - Anos 70

  

As luvas da manhã aquecem as mãos dos - remediados, - aqueles que nutrem na aflição dos olhos as queixas mornas, as lamúrias agrestes dos pesamos; nos céus incólumes despistam-se as vontades; aí, onde se verseja o puro aroma do arco-íris, habitam os ósculos dos sempre-em-pé; não são pusilânimes por isso mesmo; pendurados numa lucidez acre destroem os lampejos do social sabão azul, com minúsculas gotas de orvalho de cinza; - tudo pertence ao universo fosforescente, o bago de grão-de-bico arrebitado, o centeio de viço agreste, a caixa de fósforos incendiária, num acréscimo de poeira invernosa musculada de cruzes standard e adereços viçosos; regressarão os humanos aos bairros de lata, agora alfabetizados e presos aos sentimentos solidários, cingidos às lágrimas da vida? a lava corre nos nódulos macerados, lacrimejando piolhos nos telejornais vivos e audazes de – referência; cristais de habitáculos da morte com perfumes de canapé e agulhas espetadas nos doces olhos; - havia um rapaz imerso no sótão da maturidade que desejava viver-em-paz! – festejava o colorido da noite com pontapés na alegria; era imenso o dia-a-dia acostumado, sem querelas, ainda que doídos, pela noite a dentro e sem remorsos de chuva miudinha; qualquer coisa como o beneplácito da morte! – em viagem de núpcias!?  - rectifico as esquinas dos olhos com os decassílabos alexandrinos, pois os versos sacodem no baixo ventre os músculos mentais; os motores da literatura arrancam com os nervos-em-pé, farejando o ócio da manhã silvestre; não há desníveis na opacidade do – há-de-vir! – apenas injunções fortuitas, ossos desalinhados nas marés do tango, sem sandálias de tacões altos, – cortinas dos desejos altruístas; o mar da bondade silva por todo o universo escalado pela verdura do amor- ao-outro, como pasto na várzea adocicada pelo nascente remorso; altruísmos bem pensantes com luvas brancas ao volante, em passeios noctívagos; a escalada dos – remediados, emerge do absinto da noite com a alegria máxima do viver-o-dia-a-dia, com a prontidão da água-oxigenada sobre o deslavado fim-de-tarde, no metro da abundância; não é – o caos da severidade dos costumes, nem a insolência-dos-que-podem, talvez a brancura do vive-o-hoje-que-amanhã-será-outro-dia, num acréscimo de sintonia dos humores com a grandeza dos astros; todos somos uns zés-ninguéns na fervura universal, – salve-se quem puder!              

quinta-feira, maio 19, 2022

modelações III

 

 

 
Dispersão - desenho a tinta acrílica sobre cartolina duplex

70x100 - anos 80

 

Modelações III

O universo é imperfeito, assim como a razão; dois buracos infinitos em fusão continua onde habita a dúvida, recheada de laranjas verdes e olhos devassos; há um consolo esfusiante em apalpar espaços neutros guardados em cofres sem angústias, residem aí, igualmente, prosaicos afectos das mãos limpinhas, – lixívias com aromas; nas manhãs invernosas os ácidos da mente enxotam as moscas pousadas na merda do tempo, – deste tempo! daquele ou de todos os tempos; espécie de raiva cavernosa ensaiando o poder do desastre, envolto nas cavernas da noite, – maleitas da carne viva;

os narizes do infinito espirram incessantemente sobre a pele da terra mãe, depois, aspiram o úbero selvagem e doce da atmosfera lavada, – carcaça da razão pura; a poesia esbraceja ao jantar; ah, se pudesse espraiar-me ao sol como lagartixa pela manhã! limpar a pele do sono com malvas das ribeiras, abeirar-me do infinito com a mão estendida sobre a pedra madura!? o consolo que me habita é um desastre da memória alada, um frenesim de enxame que subjaz ao poente da manhã, num vai e vem de retórica selvagem aposto à ginástica do umbigo, – carvão da mente exuberante;     

os riscos da mente enfatizam os poderes absolutos dos buracos do universo; nada há mais poderoso do que um verme cheio de fome, um qualquer sorriso em contra-mão; um peso morto vivendo na adoração dos astros iguala-se a uma unha encravada, à respiração sustida pela cinza do amor; extrai-se da magnitude universal a densidade do olhar num crepitar do coração alvoraçado; fica-se atormentado com a mosca limpando os suares da cara, zurzindo sobre os passos em falso; enforca-se a delicadeza da razão, – paraíso sem luxúria.