quarta-feira, agosto 24, 2022

modelações VIII


 

 
 Ritmo na dança  
Pintura a guache sobre papel mata-borrão 
15x10.5 Anos 70

 

   Muitas sombras persistem no tempo, acompanhando-o como vertigem do que aconteceu algum dia debaixo da textura movediça das horas, nos dias que passam; mosaicos de sentimentos expressos em sonatas dos pensamentos voluntariosos, rebentos que produzem agudos estrupidos cósmicos, como reboliços no interior duma caverna desdentada; – calafrios, calafrios e calafrios; sombras que me vão iluminando; a noite estava azul na cintilação daqueles corpos evanescentes embrulhados num doce calor, na injunção dos risos com os movimentos despreocupados, residualmente sensuais; viçosos na incontinência dos gestos aflorados, articulando os desejos com as expectativas sonoras, abrindo o espaço apertado da cidade à ternura da noite; os precipícios da morte pareciam – parecem – ter abortado nos cânticos dos reverberantes focos luminosos, soltando-se pelas vidraças em feéricas revoadas de chamamentos, quase patéticos, aos passeantes noctívagos; zimbórios acudindo ao deambular das mentes pelos ócios crepitantes, externalizados e movediços num nevoeiro açucarado de luzes; ó noite clara de tão agitada factura, de lazeres incandescentes sob o sol da escuridão noctívaga, abriga este sal que persegue no rio os seus aromas penetrantes e macios, como brisa suave dos endereços sentimentais dos jasmins da floresta; pequena dobra dos destinos vulgares, voláteis sorrisos da benevolência dos mártires, imortais duendes planando como lanternas da servidão; vou descendo na memória como órfão dos dias todos; desço a rua ziguezagueando entre uns e outros como calhau arrastado pelas ondas na espuma fluorescente; da calçada refluem as errâncias dos corpos – deste – incorporado nesse continente da viagem, do bulício e do azedo da carne, num paladar de sobremesa dos vestígios dos olhares; na doca, enforca-se a náusea com a encarnação dos sons violentos, arregimentam-se os movimentos da monotonia com palpitações dos jovens corações, abertos às revoadas dos decibéis; encastrados numa atmosfera frouxa, como parafusos com a rosca gasta penetrando o lenho seco, o entusiasmo daqueles, sacode o espaço ao ritmo das vibrações; é o fulgor bramindo na cinza do verão? – um escuro bálsamo titubeante brilhando como estrelas no etéreo vazio, dizia-me o linguajar do pensamento, abeirando-se à memória de um outro que outrora foi dançarino e vadio de rejubilações avulsas; então, pernoitando nesse vago sortilégio em lembrança cáustica, viajando para ontem, o coração apertado interroga o seu perfil de aflição, a corpórea nudez dos rastos e restos, como pedaços da alegria boiando num mar de algas, os sargaços da luz sobre as ondas de um mar ignoto; da imensa cristalização dos prazeres na mente, vagamundo de cinzeladas tristezas e alegrias vertidas sobre a cálida noite efusiva, caindo do rosto aureolado, pingam os suores da passagem das horas e dos dias; diz o sufocado peito, - também tu dançaste, não castigues agora, com os vermes da abstinência, os prazeres dos ossos redemoinhando na aura do seu encantamento; todos dançamos em busca das iguarias do sofrimento!        

 

 

quarta-feira, agosto 03, 2022

modelações VII

 

 

 

  Construção cromática 

 Pintura a guache sobre cartolina - 23x18 Anos 80

 

Estou plenamente satisfeito! – o Wi-Fi  gera as ondas da minha alegria, do meu entusiasmo ofegante, mas efectivo, como o crescer duma abóbora no quintal dos meus delírios, a ternura dos açucares almiscarados ou o verniz do zodíaco da inteligência; uma esponja de desejos libertários educando-me na necessidade do existir mole e sem arestas vermelhas; – sangue da existência próspera; o logos chega na noite da multidão envolvente, da cigarra dos fogos-fátuos alvejando a dimensão do etéreo e irreal como o abstracto sonho das virgens nubentes, numa Primavera dolorosa; línguas de fogo rompem o silêncio noctívago clareando a imensidão do devaneio; - não há solidão nas estrelas; as vísceras da noite adormecem nos cânticos subtis do vozear nocturno, vogando na solidão dos astros os viçosos assobios dos êxtases da pele; toca-se na inenarrável manhã das sedosas pernas ao léu, que viajam na subtileza do Verão quente, com os olhos do café na chávena, como soluços dum viajante nas estepes douradas; ó glória dos nervos da carne rejuvenescida, no trem da angústia, como baratas nos currais da existência precária e dura; tange-se a melodia dançante das ancas sobre o acrónimo das pedras das calçadas, das luzes irradiando os berços irreais sobre o polimento e o verniz do bem-estar nas esplanadas; – abraços dos fantasmas da noite; estou plenamente, plenamentemente satisfeito circunscrito ao ovo libertário; andorinha viajante no supersónico avião; também, sem verdades incómodas, limpo o prato e devoro a salada, verdes que nos alimentam no amor pela vida fora, como relógios sem ponteiros; – ternura do algodão das cinzas; verdade seja, que o amolecimento dos nervos nos vidros de qualquer verdade limpam os olhares do longe, sangrando nos azedos multicores e informes os amuos da mente solitária; andando sobre as suas pernas, os ombros tocam nas nuvens pelo avoejar dos pelos duma angustia solene; ciclopes dum amarelo vermelhão soltam seus volúveis gritos rente à escuridão, numa soberba de sonoridades voláteis, aspergindo os dons nocturnos dos corpos brutos e puros; lá, nos altos da piscina do hotel, cumes sem nevoeiros, forjam a caricatura zumbi deste viajante ocasional, abocanhando o naco de bife de peru panado, e a batata frita, no benevolente andaime da repercutida evidência; – balanços do contentamento azul