sábado, abril 08, 2023

modelações XVI

 

 

 Caminhando

Técnica mista: colagem, pintura e desenho sobre cartolina 

  65x100 Anos 70 

 

Passeando sobre a calçada, as pedrinhas ondeando nos sulcos amarelos do silêncio articulando a metafísica dos enredos, – tudo vibra num eco de dança surda e resiliente; a paz dos ventos soprando sem verticais desdéns, línguas amarelecidas pela agudeza do sol, sem dores de sono, danando as paredes dos habitáculos, como rolhas comprimidas nos bocais das garrafas: – supúnhamos…, que um trânsito de gente, com alegria de chumbo nas algibeiras, viaja subindo e descendo nas cascatas das horas do mundo com vinho da servidão, mochilas às costas, malas roçando o véu das calçadas!? – tudo articulado sem demora, com a metafísica dos enredos, a saliva das florestas, o aroma das infra-estruturas ou o caldeirão de batata frita e sardinha assada!... piso a calçada com um verbo sem coração, os olhos enleando a noite  com o ventre das noivas; morcego na noite do destino, destilo um azul putrefacto ou o nimbo dum ecrã pesaroso; alivio o olhar depauperado, olhando para dentro do círculo imerso do entendimento; – uma vela branca, senão transparente, brama, rindo no horizonte embevecido e mutilado; essa aura que circula entre o verbo e a pulsação, como o círculo aberto de um naufrágio, rumoreja de aflição e encantamento, cingida às imagens, errâncias dos passos ao redor dos objectos claros e simples; caminho na alegria sem remorsos puxados pelos nutrientes da luz, esse laço de modéstia caseira casada com a gema do pesar; casa habitada de sulcos, veredas indomáveis nos mistérios das odes, canções do ciclo nervoso das paixões; diagonal dos bailados da mente, toca, abraça na garganta o violino das varandas azuis –, e dá-me essa mão de fogo enlutado, acariciando as ondas, o belo nicho do penteado da serpente que se me enrola no lugar doído da sobrancelha; cospe o uivo metálico destas metáforas e despe-me de dentro para fora, como arpão na boca de peixe; indómita doçura do sangue nas virilhas dançantes e pássaros voando; habito o silêncio pisando as pedrinhas da calçada, uma a uma, enrugada por uma soma de vozes volantes; – e tu, pedra solta no vazio, como adormeces, sem tédio, ao olhar da janela ao lado e sem cristais? como pisas as gretas deste silêncio sem danças enfurecidas? –, habita no sangue o turbilhão de neve, dizes, como uma gaiola dourada num alçapão das ondas do mar! – piso a calçada, e este olhar pisado de ciúme, despe-me o peito sonolento da tarde; viajo incomodado pelo sono do verbo atapetado de alfombras.