terça-feira, abril 26, 2022

modelações II


O copo - Desenho a grafite sobre papel

21x14.5 - 2022

 

Modelações II

 Trata-se do álcool, substância que anima o vazio; por vezes como pulga no interior das cuecas, nesse espaço intercalado entre os ruídos da carne e o pano-cru; uma comichão inerente ao corpo deslavando o sujeito da sua nobreza, assim como calo da surdez na aura magnética; - naturalmente que o vinho, branco ou tinto, pertence a esse amplo espectro de que todos nós fazemos parte; - a casa habitada, núcleo de uma fantasia sonâmbula e imorredoira, densa como uma cebola virgem; é fastidioso enumerar os lances que fazem lacrimejar! – um sofrimento de ver gotas caindo do céu sem nuvens – azul doentio.

Calcinados nos encontramos pela manhã depois dos vómitos -, mas que dizer do milhão de gente a que o redentor dá trabalho? – ou da força vital emergindo do solo até aos hangares da solidão? – não se curam feridas com “cruzes canhoto!!!” e o lençol da abstracção onde navegam sonhos pesados, cavalgam nas montanhas do coração, ao chamamento da  irmandade estupefacta; é doloroso assistir a todo o desastre perpétuo, a toda a vingança cruel habitando o céu doente, magro de alegria, triturado pela emoção da carne; - será preferível lavar os dentes com sabão azul…? bocejar eternamente até os dedos caírem das unhas? Trata-se do álcool…, como uma abundância de vozes sobre a planície doída.       

Os carrascos atiçam os destemidos em noites sem glória, pois que as nuvens encenando o azul celeste, fá-los amotinados e renitentes às mordaças daqueles, porque, enraizados cânticos rituais e seculares soprando nas gargantas animam-lhes as proezas da resistência; - por vezes soçobram na fluidez do álcool como grelada batata ao relento ou cebolas alcoolizadas - verniz amotinado     

Nada nos surpreende na servidão; a casa enegrecida pela demora da verdade ou meramente do alívio da mente sentinela do vazio, cumpre o naufrágio da verde planície, e, só o fruto vertido da parra estremece nas ancas solitárias, - trata-se do álcool mendicante.

 

domingo, abril 10, 2022

modelações I



Poema desenho - caneta de aparo com tinta da china sobre papel

  42x29 2016 

 

Modelações - I -

 

Escrever, um exercício feroz –, deixando um rasto inabitável ou um tronco de melancolia imersa no continente de todo o apreendido dicionário, reverbera em silêncio, naturalmente audível; e, de tão frágil e belo no seu voo, facilmente adormece na secura invejosa do ser quotidiano, assim como pedra perdida num caminho de aflição, debaixo da canícula.  

Um eixo de brandura da voz é um alívio!... revestida da gratidão possível num romance de nervos acústicos desdobrando esse corpo para fora de si, arreigado ao espaço circundante.

- Todo o som enaltece a razão somente porque dá corpo ao vazio; – o crepúsculo sentimental enovelado pairando sobre qualquer acontecimento, como no exemplo de um mocho piando na noite; - tormenta que se assobia no interior dos zumbidos da escuridão para que a alegria regresse do eixo solitário, e, no seu espelho, ele já sujo das lágrimas vertidas surja, ainda que em delírio ou num recuo, em agonia assomando à esquina de todos os verbos mundanos.

-  Habitante do vocabulário e do cosmos como se sentinelas estrelas, cintila para cada um de nós adulando a memória exausta, e só em exercício feroz descobre nesgas do rosto esfaimado.