sexta-feira, junho 23, 2023

modelações XIX

 

 

 

O viajante 2   Pintura a óleo sobre tela

73x100 Anos 90

 

   Rapsódia delirante, o caso que a febre da viagem e o destino incerto do amanhã criou na distancia subvertida, com o sono da angústia, nos passos da multidão; todos viajam, constroem casas sem tecto, dando abraços à mudança; um passageiro do absoluto estar em andamento, como pulga voadora nos lençóis do noivado entre a terra e os oceanos; tapando a consternação dos abismos embarca-se nesse frémito desnudado; a sombra dos músculos gémeos, os braços e pernas da trapezista voadora ou o tendão de Aquiles de sonhos gloriosos, abrindo os domingos cinzentos de pesar aos frémitos das viagens, inundando os calcorreares dos viajantes convergindo sobre os passeios, de admiração e estranheza; estou aqui e estou ali como sinal fulgurante desta existência passageira, mas trémula de ânsias espelhadas nos hercúleos tecidos do nosso corpo, num triângulo daquele vai e vem sem remorsos pela água, ar e pastagem; sinto a ânsia do pé descalço pelos meandros do mundo, esse globo oxidado pela respiração dos calamitosos pássaros, insurgentes de vícios penosos e desastradas sacudidelas; borboletas ainda não cristalizadas de olhos abertos às paisagens de céus azuis, pelos cumes das montanhas sem fogo, ondulando em abraços à ventania dos cumes, crinas dos cavalos vertiginosos das estepes; sujeito este olhar às contemplações dos mistérios da aventura num triturar de ossos ao vento, catadupa de circulações no ventre desta terra; adorável rasgar do silêncio, viajo, e nutro o berço das vozes, – vaga dor dos lumes; sem sustos da navegação aí estou nos mares encrespados, aí, estou viajando; sem cortiça nos olhos galgo a neve dos montes, com asas nos pés abraço as cidades NY, S. Petersburgo, Roma, e porque não Lisboa, cidade que o rio abraça em estremeção de reflexos de aurífera seda; de viés às colinas os sonhos do Atlântico emergem e nutrem a vagabundagem amorosa como sombras da solidão; não há raízes do absurdo viver de que não nasçam estímulos da abundância nos passeios ribeirinhos; não há ângulos recto de casebre que nos não pertença numa solicitação de pasmo e admiração; janelas abertas ou fechadas como maçãs maduras penduradas ao sol, do sonhar, ou mesmo fechadas como arbustos secos e erectos, ligar-nos-ão às videiras em repouso nos campos abertos, como soluços do coração; abaixo a tristeza, esse veneno sem préstimo como nódoa gordurosa na solenidade dos dias prestáveis e inolvidáveis; rebentos de fornicações sem freios solicitando-se desarmaguradamente cheios de mel das viagens pelos continentes, se – mesmo estes não estão quietos – como posso eu resistir às comichões do ver aqui e acolá? – olhar o mar daqui e dali como noiva sempre jovem, o bater de asa nas praias solarengas, riscar ócios sobre os relvados azuis, bebendo sumos sem invernos nas mãos; vou dançar com os joelhos nas nuvens e os pés nas estrelas, necessariamente sem que o ar se transforme em perfume de raiva e alucinação.