sábado, março 01, 2025

modelações XXXV

 


O Homem Virtual  Pintura a óleo sobre tela

 35x27cm  Anos 00

 

Tanto tempo na eternidade, e este pequeno ser, onde qualquer verdade morre, em se morrer!

Sobejamos sempre sobre a carcaça do tempo, nascemos com o defeito de ser vivos rastos, inquietas multidões; navegadores deste além que nos dá o calor e o movimento, o ardor e a frieza dos beijos desesperados, viajamos na ordem cósmica como nabos enterrados na charneca; no solo, sobre as ervas da nossa solidão, quebram-se os espelhos que reflectem os desejos sofisticados, as ligações que brilham nos efusivos encontros das mãos com os livros e as rosas, – esta pesada angustia de carrossel;  

 conseguir avançar, é um laço amargo de negruras como cantos de sereias nas varandas dos desertos; ser orgulhosos de nós próprios consome-se num desafio maculado e sempre hibernando; fóssil nas neves eternas –, ser danado?! – entropia de veneno como sal amargo e duvidoso; vamos construindo sobre um tempo desajeitado a história, nossa!

Quebra a prontidão, que nos animava para aqueles encontros mapeados nos canteiros e nas florestas, como pepitas na foz dos nossos destinos; Fim da história? – uma falácia! Bebendo o açúcar do depois pela janela do ontem, caem folhas num Outono de febre-amarela, e o andar logo riscado pelos cardos dos jardins, pesam nas algibeiras; mas, os contornos que nos sopram de dentro dos ânimos nossos, como sementes em ebulição na terra muda, falam-nos, e dizendo nos vão –, é bom viver nos anéis desta longa marcha, como aves de arribação, sujeitos a um vento que sopra frio e sem pétalas, apesar de! – Arribar na sílica dos rumores do coração; transitar entre a fortuna e os corpos desnudados; dar passos com a alegria dos sonhos –, é bom? – as árvores crescem em sintonia com o vento, o sol, a água e o húmus –, morrem de pé – de raízes agarradas ao chão como féretros da melancolia.       

 

    

sábado, janeiro 04, 2025

modelações XXXIV

 

 
 Mulher e homem - Escultura em bronze 40x21x16 Anos 80

Discorrer sobre o mudo!? … ora essa! – o mundo corre ligeiro atrás das minhas costas, e é tão pesado sobre qualquer olhar que – penso eu, mais vale ir até à praia; aí os meus olhos espraiar-se-ão na maré vasa, e na maré cheia até poderei cuspir na água salgada, sem remorsos; deponho a cabeça enterrando-a na areia – simbolicamente, claro! e vou andando de costas voltadas para aquele todo que é esse pedregulho redondo e sem sentido; entre a alegria e a morte a inexorável viuvez do amor, os tropeços nas palavras ou a trituração dos algoritmos errantes das paixões; o mundo naturalmente que se encontra escurecido nas entrelinhas, mas não, não é culpa minha; eu lagarto estendido ao sol jamais debitarei nenúfares para as entrelinhas; a sagacidade é um fruto da importância neural debitando as verdades eternas como as compras nos supermercados, as flores brancas dos amendoais nas plantações do desespero ou a elevada consciência das formigas nos carreiros; um vício de deslumbramento é dar importância às balas que sussurram nas entrelinhas; estar atento é uma merda; será opaco o mundo?

 – entrego o corpo às folhas verdes, é minha a luz que as penetra –, de alegria breve.

– por cima da tua dor um abraço enorme e vertiginoso deste silêncio.   

            

segunda-feira, dezembro 23, 2024

modelações XXXIII

 

 
A Palavra  adjectivos
 (Painel constituído por 8 quadros  40x50cm Anos 2000 
 

Abrindo a voz, ouço os recônditos objectos que nela falam; o obscuro silêncio é luminoso e a mão que o segura desenha os seus contornos;

 – ossos, abre na noite o tumulto dos olhos, despe o noivado dos encontros, respira fundo sobre o degredo – manhã, ó rosas desmaiadas nos jardins suspensos, canto dos canteiros cantando nos átrios das mansões, flor ou o delírio do envolto na penumbra do centro certo, para lá da pétala o adeus ao vento, ó sonho da noite que acorda – rosto, toda a navalha cinzelando o aberto, que dizer das pestanas vivas como agulhas, bocas como fogo nas mãos desertas, em ti sopram em tormenta os desígnios juvenis, e as faces dançam na madrugada dos sóis, despem-se em aromas os quase mudos sorrisos – verde, toda a árvore é um desejo, o chão vestido cantando, um avental cobrindo os nervos sedosos que no terreno esburacam – fósforo, lenta dor que vegeta no silêncio, pedra dos amantes que naufragam e se consomem na combustão dos olhares, rumores de um presente anoitecendo nas favelas os lumes dos vivos – tabuada, ó glória do saber abstracto e singelo, toada mortiça dos rabiscos nas ardósias, palmatórias subindo das entranhas como venenos da saudade – alecrim, diadema do fogo nas noites de camurça saltando à fogueira, tonturas do vento em vertigem romanesca, nas labaredas ouvindo os sustidos sons das lágrimas, o crepitar dos desvalidos e dos amantes

Na palavra o imenso apaixonado abre-se, fustiga o coração como o canto das canoras aves, busca o fazer das mãos enquanto os olhos ardem como cavalos nas montanhas – o óbvio é um objecto sem destino.