sábado, outubro 26, 2024

modelações XXXI

 

 

 
Pessoa virtual - Óleo sobre madeira

85x99 Anos 2021

 

O silêncio dói; quando procuro e não me encontro, quando viajando clamo pelos laços que nos animam, e regresso sem memória, por quanto, como semente de trigo empurrada pelo vento, subindo, a voz cai na escuridão; no horizonte que me empurra para o lado de fora, estendo a mão, abro os olhos procurando as coisas mínimas – um bago de uva esmagado chorando ao sol, uma nuvem que agarro com os meus soluços; quando procuro o outro e ele se escondeu atrás de si reverberando as nódoas dos seus olhares, esvai-se a empatia, fico soturno, – faianças golpeando os acordes; árvore seca em inebriada floresta ou luxuriante no deserto, a brancura que salta dos nossos olhos, se me abraço para sentir o forte desejo de ser –, alguém! naturalmente duradouro e forte como uma estátua de bronze, obscurece-se na acidez dos empregos, dos contratempos da circulação dos veículos redemoinhando, nos ponteiros dos relógios sem horários; na singular comodidade do viver aberto à alegria noto a fraqueza dos músculos, a lassidão que os tolhe quando o calor aperta nos dias quentes e sem pão, ou mesmo, o rasgar da pele se o frio abre brechas no coração, – floreados avessos aos registos; é uma vaga sensação de desconforto como se pegasse numa maçã esponjosa e a mastigasse, ou se uma chaga perdida na alcova do tempo, regressasse; qualquer coisa fugindo para o lado da desrazão, acontecendo; também, que posso eu procurar no sonho! – penso, interrogando-me –, mas é preciso estar vivo, ter a luz dando nos olhos, e, acordado pensar qualquer coisa que não uma pedra rolando no leito do riacho, perdida, – saliências das opacas esquinas;

  a ternura fugiu sangrando, e o musgo que sobrevive na consciência arrasta-se subversivo  fingindo que a dor é alegre, a casa sem paredes acolhe; o silêncio envolto de flores contrai-se até à solidão do negro do pano de chaminé dos queridos avós e esbraceja nas onduladas labaredas dos vivos. 

 

sexta-feira, outubro 11, 2024

modelações XXX

 

A grande festa

 Desenho à pena (esferográfica)sobre papel de embrulho 

 24x20,5cm Anos 60

 

A memória é um hino onde as bandeiras dos actos passados continuam entoando, todos os cantos das nossas habitações acariciados, todas as rugas dos esconderijos vivendo ainda nos acordados dias; sem a memória, os sufragados dias entram na desordem; busco aí, todos as dividas para com os vivos e os mortos, os lívidos momentos de incertezas como um roçagar de plumas sobre o coração, ou, um deslizar de asa sobre a pele atormentada; há pedaços de memória em toda a casa que se habita, nesgas de sacrifícios ou rasgados sorrisos percorrendo os vãos, corredores e arrecadações nos devaneios labirínticos suportando as nossas vozes; será a memória uma casa? –, um vazio cheio dos nossos percursos; do corredor à cozinha, desta à sala, à varanda, ao banheiro, entrar e sair como no recuo da delgada infância retrocedendo e revisitada continuamente, apertando na distância o nó solene do tempo e seu esbulho, ancora digerindo o coração! o tempo e a memória são dois amigos dilacerados –, ó tempo volta para trás, dizia a canção, naquele lavar duma saudade amargurada, renovada busca pela chama que viveu e sobrevive; viverá também aí o futuro clamando como planta escondida na semente ou lugarejo em construção? A casa e o quintal, nós e todo o mundo acudindo em surdina ao brado desse esqueleto, retinindo como campainha pelos itinerários onde na casa a paz alguma vez reinou; daquilo que não me lembro, ainda sou eu? – do passado que mortificou o político na prisão, posso ser alguma coisa, guardar o seu rosto a meu lado como o espelho de mim? guardo eu a memória vivida dalguém  nas palavras em que o ouço? – o cantar do rouxinol permaneceu, pese o ribombar  dos disparos? esse troar dos canhões que sufoco me acolhe na sofrida rememoração do soldado? Creio na memória como uma palavra pesada e real, uma pedra saltando dum poema de Ramos Rosa, a minha marca de água, ou uma brisa de nevoeiro sufragando todo o corpo para o absurdo; – lembrando-me de ti sou um eco que me molda como pão amaçado, essa nudez reinante que me tolhe e mastiga, o passado formigando nas mãos!

 

 

quarta-feira, setembro 25, 2024

modelações XXIX

 

Arpoema - Desenho à pena sobre papel

42x29cm Anos 2010

 

 Redacção 

No lugar onde moro há muitas árvores, umas são grandes outras são mais pequenas e de muitas qualidades, as amendoeiras as alfarrobeiras as figueiras as oliveiras, e as amendoeiras dão amêndoas que são muito boas e o miolo da amêndoa dá para fazer bolos e figo cheio e para vender depois que são partidas e o miolo escolhido, pois as árvores são muito necessárias e os frutos delas servem para muitas coisas que dão para a gente se alimentar, os figos também são bons e as pessoas comem os figos quando são já maduros que apanham das figueiras e secos torrados nos fornos, também as alfarrobeiras dão as alfarrobas que são pretas quando estão boas para varejar e apanhar e servem para as mulas e os burros comerem e dizem os donos que são alimentos muito bons e fortes para os animais, da oliveira apanham as pessoas a azeitona donde tiram o azeite que serve para fazer a comida e outras coisas até para curas e antigamente a luz para iluminar as casas mas isso quando ainda não havia o pitrólio como há agora e também do figo fazem a aguardente que os homens bebem nas tabernas e gostam muito. As árvores também dão a lenha quando estão secas e já não servem para dar os frutos delas e da lenha faz as pessoas o fogo para cozer as comidas que cozem nos tachos e panelas de barro com o fogo da lenha seca a arder em labaredas. As árvores dão sombra e no verão é muito bom estar debaixo para não apanhar o calor que faz sempre todos os dias com muita força. As árvores dão o oxigéno que serve para respirar e sem oxigéno as pessoas e os animais não podiam continuar a viver. Uma coisa importante é as árvores grandes que dão a madeira que é cortada dos troncos grossos às fatias em tábuas que os carpinteiros com as ferramentas cortam e com o cepilho alisam muito bem e fazem as portas e as janelas das casas e os carros de bestas. As árvores também são boas de ver e bonitas e eu gosto muito das árvores com as folhas todas verdes que parecem como novas.