sexta-feira, junho 07, 2024

modelações XXVII

 
O programa segue dentro de momentos
Desenho a grafite sobre papel  40x29,5cm Anos 70

Uma esplanada, e o morno sol da manhã espreitando na retaguarda do dia, o lento rolar na brandura dos minutos cozendo a pele naufragada do inverno com os sulcos da memória; sobre o atrito e a luz imprecisa do pensamento, o titubeante tartamudear das palavras na ponta da língua; o palato adocicado pela saliva; as mudas sonoridades escorregando sobre a água dos nervos como sibila da comoção; o passado é uma testemunha desarticula num presente raiado de lôbregas nuvens, uma febre de impotência arcaica; passam os minutos no respaldo de intermitências dos sentidos; cozem-se os pequenos nadas nos desvãos dos registos da matéria das vísceras, incendiando os sentimentos minerais, aflorando do mercúrio das sensações;

Estava eu ajeitando palavras, alinhando imagens performativas procurando ajustá-las em uníssono, num – valor acrescentado, de modo a criar um pilar afirmativo de uma sensação de agrado razoável; patamar da abundância ao alcance das fibras nervosas, tentando construir aquele mundo desejável que soasse tão longe daquela amargura de ideias sonolentas e pesadas como catacumbas da solidão, – oh verdade pueril dos nomes; e pois, como vás ordenar a desordem, como enterras o punhal no escorrega da maldição, dos vícios enlutando as boas vontades, ou mesmo os voos planados das aves de arribação; o tempo é esparso, sinaliza-se pela dispersão dos sentimentos, por roturas sucessivas que abrem fendas nas histórias emoldurada, como caroços secos atirados ao chão das brincadeiras;     

Toda a poética das palavras é uma caixa voadora sonorizada e opaca azulando a febre do vidro; choca com os muros da razão violando-a sobre o choro do arrependimento: – mas, porque choras, enternecida amante –, porque calas a dor ou assim expulsas os seus escombros?! Nesse ósculo é onde se esconde todo aquele futuro, que esperamos glorioso, adequamos o sentir aos momentos vigilantes e esperançosos; isso acontece nos sonhos mesmo se validos de absurdos aconteceres e acentuações, – equilíbrio trapezista nas noites devassadas;

Estava eu ajeitando palavras – para melhor ver?! O telefone toca, o móvel é uma andorinha voando rente ao chão surpreendendo o mosquito infeliz; nada há tão obsceno como o som duma voz ausente; cai uma verosímil pedrada! Estou noutro lugar, no tempo sem cristais; amortecido enleio; as palavras são construções do tempo, suportam o peso do espaço onde habitam flores e estrume;  

 - nada é imortal…! Apenas este céu duma atmosfera azul, singela e vibrante, sobraçado de pequenos cúmulos negros de gotas, que viajam, dá um nó a um coração alegre e dançante, retinindo numa gaiola.