85x99 Anos 2021
O silêncio dói; quando procuro e não me encontro, quando viajando clamo pelos laços que nos animam, e regresso sem memória, por quanto, como semente de trigo empurrada pelo vento, subindo, a voz cai na escuridão; no horizonte que me empurra para o lado de fora, estendo a mão, abro os olhos procurando as coisas mínimas – um bago de uva esmagado chorando ao sol, uma nuvem que agarro com os meus soluços; quando procuro o outro e ele se escondeu atrás de si reverberando as nódoas dos seus olhares, esvai-se a empatia, fico soturno, – faianças golpeando os acordes; árvore seca em inebriada floresta ou luxuriante no deserto, a brancura que salta dos nossos olhos, se me abraço para sentir o forte desejo de ser –, alguém! naturalmente duradouro e forte como uma estátua de bronze, obscurece-se na acidez dos empregos, dos contratempos da circulação dos veículos redemoinhando, nos ponteiros dos relógios sem horários; na singular comodidade do viver aberto à alegria noto a fraqueza dos músculos, a lassidão que os tolhe quando o calor aperta nos dias quentes e sem pão, ou mesmo, o rasgar da pele se o frio abre brechas no coração, – floreados avessos aos registos; é uma vaga sensação de desconforto como se pegasse numa maçã esponjosa e a mastigasse, ou se uma chaga perdida na alcova do tempo, regressasse; qualquer coisa fugindo para o lado da desrazão, acontecendo; também, que posso eu procurar no sonho! – penso, interrogando-me –, mas é preciso estar vivo, ter a luz dando nos olhos, e, acordado pensar qualquer coisa que não uma pedra rolando no leito do riacho, perdida, – saliências das opacas esquinas;
a ternura fugiu sangrando, e o musgo que sobrevive na consciência arrasta-se subversivo fingindo que a dor é alegre, a casa sem paredes acolhe; o silêncio envolto de flores contrai-se até à solidão do negro do pano de chaminé dos queridos avós e esbraceja nas onduladas labaredas dos vivos.