Modelações XXXVIII
59x70cm Anos70
O 25 de Abril e a memória encantada; do ante diz-se; e do até lá…, o subir do monte na glória vã de um sísifo, e os espinhos dolorosos da ventania, derrubando troncos e braços, com o frenesim das mordaças –, do empurrar gentes exangues e tolhidas que ficam na amargura despovoada e abandono; espaços insalubres dos territórios alheios dos muitos continentes; do viver de pés descalços nos caminhos enxertados das arruaças; da sobrevivência alcantilada e fria, como musgos arrebatados e impotentes, agarrados ao chão como lesmas desvalidas, que se enfunam. Entrementes. A máquina de furar olhos e, aquela, de esgravatar nas orelhas, empurrar as palavras para os calaboiços, comprimindo-as, deixando rasuras de sangue, atrofiando os adjectivos nas masmorras do insignificante –, o antes que adormece na soleira da porta, o durante que dura e rói; até lá, o peso da montanha sobre o vale; a dor inquieta do silêncio, o martelo nos dentes, a boca encarnada cuspindo sangue; no café à mesa, a conversa em surdina – poderá a voz romper o ar, prosseguir no espaço e cair nas orelhas de um outro que mastiga as vísceras com dentes de cão, ódio musculado de grilhetas – nunca se sabe! – o que ensombra as ruas, o que pesa sem se ver, o que fere e se expande, o que leva para a escuridão, o que dorme nos vãos de escadas e rói degraus; em rostos desvanecidos vírus sem nome! Lá fora há hinos, colchas penduradas nas ideias em circulação; chegam pelos fios iluminados, pelos correios de mão em mão, pelas espiras que soam cantigas, pelos livros e jornais escondidos nos forros dos casacos; gatunos que roubam a claridade escondida, abocanhada na ponta dos lápis azuis vermelhos, (da censura), oferecendo-a incólume e resolutamente na eira; postigos que se abrem; da esconsa quietude daqui, ouvem-se tiros lá longe; os generais cospem anedotas! Noivas choram, mães vestem panos negros, duros como cavernas, em lugarejos soturnos. O pão sobre a mesa esfarela-se em surdina. Nos arraiais dançam com frio nas orelhas e mangas arregaçadas; arrasta-se a solidão e o clamor do orgulho; um rumor de passos ouve-se na varanda, no sopé da montanha ruge o absurdo; estica-se o elástico por debaixo das mesas, nas associações, nas escolas, nas cantinas, nos redemoinhos que se mexem escondidos, presos às borbulhas do viver, ou morrer; um ritual de pressupostos e um níquel de ânimo avança, e as ruas enchem-se entoando os punhos, abrindo a escuridão das algemas; estamos lá, a parada move-se, ouvem-se vozes que choram! De alegria.
Mastigando democracia num inverno acrobático, 50 mastigados anos passaram; pão com manteiga e vidros de aflição, enroscados nos parafusos do destino – pão ázimo; alapardados de mosquitos da liberdade, correndo atrás dos entulhos saudosos, cá estamos! – Há vozes que oiço –, o 25 de Abril será todos os dias… ou não será! Dizem, de lá, os mortos que nos alegraram.