domingo, novembro 30, 2025

modelações L

 

Sangue impetuoso -- Constituído por 6 quadros
Materiais diversos: Estampa impressa, pintura a tinta sintética sobre vidro, molduras de madeira, platex e plástico – Apito/brinquedo tradicional de cerâmica Anos 20

O dia está luminoso. Na esplanada amortecem as horas agrestes; é já Outono e as árvores pedem água! que bom! -- a fugidia aragem, a coroação dos olhos na distância sem sentido, o longo abano dos sentidos na frouxa mansidão; tudo é repassado por uma sonolência de sombras azuis, vizinhas do esquecimento; estar e não estar, pousar a mão na distracção dos segredos como se espremesse uma laranja num dormir pesado; a iluminação do fundo arrebol é estrita à abundância das sementes, dos orifícios que medram nas pedras anguladas, e nos soltos torrões; hibernados estão, na fragrância da inércia dos acordes, na moldura dos pastos que cantam zumbindo ao afagar dos ventos sedosos; sem surpresas passa um carro, não de besta! auto-móvel -- mas que rastos da lassidão deixa nos emblemas que arrastam a fervura dos sonhos! -- pesa a imensa bagatela de estar vivo, a lúcida iluminação dos poemas, a engrenagem que alimenta o tédio, a dor das virilhas que desandam num baloiçar do corpo; estar aqui na irremediável certeza, no bafo do vento e da luz, na poeira da metafísica dos olhos, nas interrogações que nos fazem os arbustos, as iníquas ervas restantes, desse verão de vagos impulsos agarrado aos lumes do sol ardente, estar aqui na frouxa dor da mansidão com a alegria inerte das entranhas, das vísceras, dos testículos em abandono da criação, tudo emerge da crosta terrena, da arrecadação dos pulsos nas arcadas sonantes; num azul de betume das nossas queixas, visitam-me abelhas presas ao açúcar do café, como mensageiras do óbvio -- estamos todos presos e soltos! É bom elaborar sentimentos, lentamente devagar, ter a renda da casa paga!    

sexta-feira, outubro 10, 2025

modelações XL

 

 Forças ocultas - Pintura a aguada sobre cartolina 
  100x65cm Anos 80

 

Os arbustos da vida são selvagens; crescem-lhes as raízes entre o turbilhão das multidões; espreitam fervorosamente pelas luzes da abundância, e nas línguas de fogo do desespero morre-se carnavalescamente, e soterrado; o universo cospe-nos do seu mistério, mas também uma banana, um ouriço ou um camelo; neste impasse, estou presente como uma onda espicaçada pelo vento; vejo as nuvens e os astros, a doçura de um rosto, a postura arrebatada de um olhar; sinto os poços da maldição na linha duma mão, na outra, crescendo em vertiginosos encontros, encosto-a ao rosto do fulgente amanhã como a dança dos alegres insectos; há flores nas bermas que pedem sol, quando, devagar, passo a mão pelas suas folhas aciduladas; no armazém das farturas envolvem-se plásticos sobre as sementes; enrolam o nome das coisas numa densa atmosfera, -- poeira dos segredos; percorri os montes atravessando os ramos verdes, com a sombra despojada no terreno; um pássaro que cantava no ramo mais alto, não deu pela ocupação maleável desta presença, e o peso dos músculos que se agarram aos ossos, esvaídos nos inúmeros passos, cresceu em pânico; o pássaro viajava ao longo do seu cantarolar mavioso; parei; escutava; a clara luz que atravessa os montes embateu nos nomes das coisas como flor, folha, esteva, pedra; surgi dessa nódoa do tempo, que nos embala, com estas sílabas e vocábulos; notado que a luz soltava as suas lágrimas dos elementos da natureza, exortando-a ao abandono das trevas, despi-me de preconceitos e beijei o chão e os galhos, prendi um reflexo que se desprendia duma gota de resina; o cascalho soou na redonda atmosfera, e curvei-me, pois, na fecunda direcção do barro e das raízes; sujeitei pernas e braços ao esforço da memória que soçobra das palavras aditadas ao chão da natureza, -- ímpetos da bela fala; manobras feitas em direcção aos versos com flores e barro, formaram ondas de sensações, apelos sentidos por braços e pernas, como luz arrancando a pele, -­- nem tudo o que o homem abraça são músculos da verdade; escutei o pânico que rastejava nos ombros quando se arrancam pedras e se constroem casas nuas e sem paredes, para habitar; um homem não sei donde, curvou-se à minha passagem, pedindo desculpa; não sei como fazer as malas para abalar para outro lugar, pensei; os mapas do mundo restam gaZeados, se extasiado passo as mãos pelo relvado.  

 

       

quinta-feira, agosto 14, 2025

modelações XXXIX

 

 Dança na Fonte Santa  Técnica mista - guache e lápis aguarela sobre papel
  29.5x39.5 Anos 20

 

 Viver é uma terna aventura? – ouço vozes no esquecimento do eterno! aqui, o império modelado de cera, a abstracta ordem que sobressai dos sonhos, é um desafio sobrante das angustias, o iníquo prazer de seda na floresta do arbitrário –, estar molemente no silêncio desafia a construção dos astros, o firmamento da violência, a causa das emoções evanescentes, como um arrepio de sono num medievo campo de batalha; moro, moramos na inerte vibração dos astros, e a beleza que sobra das flores arrepia-nos; toco a rosa no quintal, e o veludo acetinado das pétalas esvoaçantes azulam o olhar dos nervos, a perpétua ordem das coisas no cadinho da substância da luz; elas dançam o tango no minúsculo tempo sumptuoso; no grande átrio, onde o passar do tempo se alapa às paredes, como lagartixas no tecto do mundo e dos risos, despejamos a solenidade dos dias nos vazadouros; e, o fervor que esbarra na cal da parede é duro, e dói pelos olhos, na ementa do prazer – Esvaída a lucidez, o contorno dos espinhos alvitram incongruências, como remorsos vindos das verdades inacabadas, ou das pétalas que murcham; nos jardins das vitórias os faróis acendem luzes da ilusão –, se as emoções apodrecem no vazio, ergo-me em chuva de sonhos? O corpo sem a erosão do tempo alivia a penúria da existência –, mas por quanto tempo, no alpendre dos ninhos do amor, perduram as nobres cadências? – Estar virgem dos soluços da morte, é a mentira nua que me cerca; Um punhal atinge a saudade, arde o matiz do verde nas sombras da recordação; são peixes de outrora, folhas que caem, elogios da fome, a Mona Lisa dormindo; –, Está prestes a envenenar-se o céu da mente; um crime aproxima-se:

– solto a alegria das reverberações com a caneta –, mato a morte com as palavras, o pincel! – alivio a esmola da vida com os sapatos no chão; sou o detective das sombras que iluminam as árvores, os rios e a noite; navegando nas tertúlias o medo fica nas gavetas; acolho o teatro dos dias, a prosaica voz aberta; vago e solene, neste jardim de luvas, as horas apitam contra os escombros.    

 

quinta-feira, junho 05, 2025

modelações XXXVIII

 

 Modelações XXXVIII

 
Em Movimento - Pintura a óleo sobre madeira prensada

59x70cm  Anos70

 

O 25 de Abril e a memória encantada; do ante diz-se; e do até lá…, o subir do monte na glória vã de um sísifo, e os espinhos dolorosos da ventania, derrubando troncos e braços, com o frenesim das mordaças –, do empurrar gentes exangues e tolhidas que ficam na amargura despovoada e abandono; espaços insalubres dos territórios alheios dos muitos continentes; do viver de pés descalços nos caminhos enxertados das arruaças; da sobrevivência alcantilada e fria, como musgos arrebatados e impotentes, agarrados ao chão como lesmas desvalidas, que se enfunam. Entrementes. A máquina de furar olhos e, aquela, de esgravatar nas orelhas, empurrar as palavras para os calaboiços, comprimindo-as, deixando rasuras de sangue, atrofiando os adjectivos nas masmorras do insignificante –, o antes que adormece na soleira da porta, o durante que dura e rói; até lá, o peso da montanha sobre o vale; a dor inquieta do silêncio, o martelo nos dentes, a boca encarnada cuspindo sangue; no café à mesa, a conversa em surdina – poderá a voz romper o ar, prosseguir no espaço e cair nas orelhas de um outro que mastiga as vísceras com dentes de cão, ódio musculado de grilhetas – nunca se sabe! – o que ensombra as ruas, o que pesa sem se ver, o que fere e se expande, o que leva para a escuridão, o que dorme nos vãos de escadas e rói degraus; em rostos desvanecidos vírus sem nome! Lá fora há hinos, colchas penduradas nas ideias em circulação; chegam pelos fios iluminados, pelos correios de mão em mão, pelas espiras que soam cantigas, pelos livros e jornais escondidos nos forros dos casacos; gatunos que roubam a claridade escondida, abocanhada na ponta dos lápis azuis vermelhos, (da censura), oferecendo-a incólume e resolutamente na eira; postigos que se abrem; da esconsa quietude daqui, ouvem-se tiros lá longe; os generais cospem anedotas! Noivas choram, mães vestem panos negros, duros como cavernas, em lugarejos soturnos. O pão sobre a mesa esfarela-se em surdina. Nos arraiais dançam com frio nas orelhas e mangas arregaçadas; arrasta-se a solidão e o clamor do orgulho; um rumor de passos ouve-se na varanda, no sopé da montanha ruge o absurdo; estica-se o elástico por debaixo das mesas, nas associações, nas escolas, nas cantinas, nos redemoinhos que se mexem escondidos, presos às borbulhas do viver, ou morrer; um ritual de pressupostos e um níquel de ânimo avança, e as ruas enchem-se entoando os punhos, abrindo a escuridão das algemas; estamos lá, a parada move-se, ouvem-se vozes que choram! De alegria.

Mastigando democracia num inverno acrobático, 50 mastigados anos passaram; pão com manteiga e vidros de aflição, enroscados nos parafusos do destino –  pão ázimo; alapardados de mosquitos da liberdade, correndo atrás dos entulhos saudosos, cá estamos! – Há vozes que oiço –, o 25 de Abril será todos os dias… ou não será! Dizem, de lá, os mortos que nos alegraram.  

 

domingo, maio 25, 2025

modelações XXXVII

 

 
Ausências
 Pintura a óleo e lápis de cera sobre fundo de madeira
 96x64 Anos 10
 
Vogando no sentido aéreo da existência, na transparência da emoção sob as curvas desenhadas dos jardins, sobre a relva, debaixo dos ramos e sua sombra projectada na glória dos tímidos passos; tilintando as pegadas, esfregando os lençóis dos desejos, despojos dos sonhos ultravioletas acomodando as ambições veneráveis dos sentidos como substância palpável; andar de esquecimento à parca realidade circundante, volátil abeiramento do outro e suas glórias verticais ascendendo, mitigando; – sigo a névoa deste caminhar, pisar dos meus passos deambulando na irmandade do folhedo; jardim de árvores roçagantes incendiando a auto-estima na praça pública; alegre ribeiro dialogando nas margens; o cheiro do alecrim nestas palavras, digo, torpedeando os seus segredos, os seus ângulos secretos que mansamente nos atormentam; esta púbica saudade de mim sem transe no vértice prosaico da hora, arrumando o quarto de lua no átrio da casa; o corpo desolado num arco-íris permanecendo intacto e fortuito, fermentando na lonjura, esponja de sangue abreviada num tempo de dúvida e sigilo; os continentes da solidão movendo-se na incerteza das promessas –, corro, e regresso entre os ramos que me adornam como coroas duma alegria sustida, suspensa e balançante; surdina de emoções roçando a pele como pássaros cantando nos nervos –, Ó pureza suplicante ajeitada à planta dos pés que caminham na sombra das rosas e dos temores; espigas, tão duras na manhã silvestre, caindo este prazer no chão que a terra veste; flores do campo que me olham no lilás dos seus olhares crescendo, balão ao som dos ritmos banais e destruidores; torturar a realidade, procurando-a como formiga no carreiro, dar voz ao silêncio sacudido pelas palavras. Mutilados encontros.

 

sexta-feira, abril 25, 2025

modelações XXXVI

 

 A Cátedra 
Trabalho realizado e exposto no âmbito da inauguração
 da Biblioteca de S. Brás de Alportel sob o tema O Livro de Artista
 Anos 90

 Silenciou-se a escrita!? – somente o desejo de alabastro, obediente cadastro da palavra à tona da vida, habitando a noite da eloquência, sondando a emoção em sobressalto, assinala a sua escassez; desse lastro duma realidade ferida, sobejando da penúria das lágrimas a gizar os contornos do texto, o vocabulário dissipando-se na sombra do lume, substância dos nomes presa nas agruras das letras, onde o apertar das mãos, desenhando-as, é um terçar de armas, o que se perde fica; o perdido: – viagens com os endereços da prontidão, encontros e as suas marcas na epiderme, verdes ramos ondeando nos labirintos da mente, ninhos de luz subindo das amizades merecidas, pássaros chilreando nas campinas da criação, azul fundindo os enclaves da prostração e a lírica da écloga –, rasgos estes que definhando escurecem na redacção, – bailação no refluxo das invernias.

Chegado aqui pelo esquecimento, nuances da sintaxe arrastada pela lama corporal, o ver pela fenda do eu adormece como criança com sono de gomos de laranja verde, – peito da mãe habitado de volúpia.

Lembro que escrever é viver! A palavra consubstancia a noite, a clareza da carne, a pele dos sonhos florescendo nas nossas verdades; a coesão corporal ouvindo-se na voz repercutida, – fluxos da natureza errante. Renova o ambiente como árvore florida na floresta perdida; diz da fome e da luxúria, da guerra e do desaire; anuncia o mundo e o intemporal, – força gravítica deambulando. Deste solto olhar, nele, se envolve o silêncio, como esqueleto perdido sobre a cinza, ou uma trança caída no chão.

Espero! Uma laranja podre enche-me de alegria, pois ela diz-me: – nem só o bom existe, e é crua a presença que subverte; a mosca alegra-se com a merda, as flores murcham, o peixe cai no anzol; a palavra escalda o ambiente murmurante. Se neutra, envelhece –, silenciou-se a escrita e tenho sono, tristeza no olhar!

 Adensa-se a curva amolecida das palavras, o vocabulário que fica na penumbra. Esperando, tomo um café, a esplanada é singela, sem adornos de relvas e palmeiras; vedação de toscos troncos com sulcos em espiral, fugindo não se sabe para… dilatando as angústias como feridas no ventre do tempo; natureza seca, instável; lixo, alcatrão como o corredor da casa infinita e sem janelas, balde do lixo, muro e sebe sobre… o som da máquina que fumega, o trabalho rompendo o estático chão com alento; construindo. O céu muito azul visto com óculos de sol, nuvens branco cinzento entre mim e a eternidade; espaço louco; garrafa plástica sem água, chávena e pires; a mão alevantando as palavras –, charrua da comoção do verbo. O travessão na escrita.      

 

 

sábado, março 01, 2025

modelações XXXV

 


O Homem Virtual  Pintura a óleo sobre tela

 35x27cm  Anos 00

 

Tanto tempo na eternidade, e este pequeno ser, onde qualquer verdade morre, em se morrer!

Sobejamos sempre sobre a carcaça do tempo, nascemos com o defeito de ser vivos rastos, inquietas multidões; navegadores deste além que nos dá o calor e o movimento, o ardor e a frieza dos beijos desesperados, viajamos na ordem cósmica como nabos enterrados na charneca; no solo, sobre as ervas da nossa solidão, quebram-se os espelhos que reflectem os desejos sofisticados, as ligações que brilham nos efusivos encontros das mãos com os livros e as rosas, – esta pesada angustia de carrossel;  

 conseguir avançar, é um laço amargo de negruras como cantos de sereias nas varandas dos desertos; ser orgulhosos de nós próprios consome-se num desafio maculado e sempre hibernando; fóssil nas neves eternas –, ser danado?! – entropia de veneno como sal amargo e duvidoso; vamos construindo sobre um tempo desajeitado a história, nossa!

Quebra a prontidão, que nos animava para aqueles encontros mapeados nos canteiros e nas florestas, como pepitas na foz dos nossos destinos; Fim da história? – uma falácia! Bebendo o açúcar do depois pela janela do ontem, caem folhas num Outono de febre-amarela, e o andar logo riscado pelos cardos dos jardins, pesam nas algibeiras; mas, os contornos que nos sopram de dentro dos ânimos nossos, como sementes em ebulição na terra muda, falam-nos, e dizendo nos vão –, é bom viver nos anéis desta longa marcha, como aves de arribação, sujeitos a um vento que sopra frio e sem pétalas, apesar de! – Arribar na sílica dos rumores do coração; transitar entre a fortuna e os corpos desnudados; dar passos com a alegria dos sonhos –, é bom? – as árvores crescem em sintonia com o vento, o sol, a água e o húmus –, morrem de pé – de raízes agarradas ao chão como féretros da melancolia.