terça-feira, fevereiro 14, 2023

modelações XIV

 

 


 Ténues Horizontes Desenho a grafite sobre papel

 18x14 -  Anos 80

 

    Diz-se que há uma nudez obscura nas palavras! – diz-se que da concentração do verbo há uma radiação como lâminas; disso sinto a obscura treva em trânsito onde o corpo, todo amassado, encontra a sua perspectiva; o crânio é uma figura móvel, pois! – e o perímetro das redondezas avança aos solavancos; desta arte, uma maçã é um bicho azedo para mastigar ou uma carcaça num verão perdido, – a macieza da sua pele reluzente engrolando no apetite; a opacidade torna-se translúcida daquela vibração urgente, aberta à polpa macia da maçã; – necessidade agastada no circuito das vibrações da pele; por aí a cidade vai estremecendo constrangida por ondas, de alucinação? o verbo esmera-se na constatação do real numa intrigante teia de laços; flores flutuantes como malmequeres à beira da estrada, cujas hastes sopradas pelos ventos esboçam vertigens aguadas em ângulo raso; o amor é todo verde de um escuro apaixonado, – estrelas gémeas gritando no orbe; as montras dão sinais de verbo macio duro, como um arroz doce azedo ou um prego espetado nos calcanhares da solidão, – não, não há razão, contudo, para entulhos da mente! – apregoam-se dos varandins dos ecrãs, deglutidas mensagens à sobremesa dos enleios e das imperfeições clamorosas: espremedores de limão e laranja cor-de-rosa, pingos para desentupir os narizes obstruídos de cinza, doces com sabor a mel de azeitona; tudo ajoujado com laços de alegria latejando nos prazeres nocturnos; o festim alarga-se aos campos já nus com a pele seca e nada de escamas, e o azedo dos olhos preso ao umbigo, ligeiramente nimbado de tinto de um, então, vadio de soluços e sacudidelas; a cidade avança, porém, até aos umbrais duma melancolia parada num verão de plasticina e urtigas, de onde restam algumas cascas de berbigão nas valetas; nas grandes avenidas, parecendo que não, o tempo corre gelatinoso, apesar do chilrear dos pardais e o zunzum das trotinetas bailando orgiacamente nos corredores estreitos: mas é um prazer dado ao olhar, e ver a abundância de matizes do ser liberto e desengonçado em vertigens, sem dores que se notem; e, o verbo procurando o real nos subúrbios do desejo, desliza zincado no carvão da mente; é doloroso! … mas é real e sintético; como o verbo é doce e dança num estômago vazio de luzes, as carcaças dos sonhos esburacam a palavra por dentro, deixam os olhos relampejando de feridas, e vidros nas calçadas, num ténue e bastardo horizonte.