domingo, março 31, 2024

modelações XXVI

 


 
Mecanismo de relógio

Desenho a grafite sobre papel

  61x43  Anos 70

 

Insinuando na mente a galga feroz da agitação, talvez um poema ávido de luar, ou a luz esbranquiçada dum cometa, o trabalho do escriba nas máquinas-flores, prende-se aos rostos da aventura, às pérolas formais do imaginário; sobre a desenvoltura dos gestos e da fantasia cresce um grande pedaço de glória na concretização dos impossíveis: – construir na raiz do prazer e na possessão da aventura, uma possível outra máquina com os cacos de engrenagens da sucata; doce prosápia de saber infantil, constelação frutificada de entusiasmos nas redondezas da praxis, certame de prendas nas algibeiras desfolhadas da alegria; a incomensurável leveza do andar incolor sobre as avenidas coloridas, mãos apaziguando as entretecidas lágrimas, quando os caloiros ofícios ainda não suportam os enleios da imaginação, – construir uma máquina de escrever, tão real, como a leveza da dor ausente; furtivo amanhecer entre as certezas dos ofícios e a alquimia dos gestos, momentos escapulidos nas garras daninhas da infância, como pedaços de aço atravessando o emocional vácuo; inculcados sobre a idade da grande fantasia as largadas efusivas dos cânticos, – remoinhos de buriladas emoções

 

 

terça-feira, março 12, 2024

modelações XXV

 

 

 modelações XXV

A Palavra -  Ómega e hipsilon  Triptico
Óleo sobre tela 3x50x40 Anos 2000 
 

A escrita adormeceu no aparo, quero dizer, nos interstícios dos nervos, nas oscilações do imaginário; ficou distante como planta ainda no casulo da sua semente; 2024 já corre, e esta furtiva dedicação revestindo o alçapão cáustico do coração, estremece; pequenos gritos na incerteza delicada e amarga, pequenos nós na dúbia vontade, ao olhar enlaçado surpreendendo na ribanceira aquelas diminutas flores; o abanar balançante de metrónomo do pedúnculo, arquitecta o espaço em leque, solidificando-o no tempo; do ligeiro vento ao passar, soltam-se da sombra uns pontos vivos de amarelos limão sinalizando a viva luz, que se entrega à terra abnegada e sem remorsos. A escrita parte do elo que a atormenta, da liquidez da vontade, e como fio de neblina no sangue, ressurge – não está aposentada! É nas vísceras que o coração se exila, que os sentimentos adornam como as flores nas valetas; a garganta estrangula-se um pouco no recato da voz titubeante descendo aos precipícios; resta um amargo açúcar, e as suas vestes dançam num palco imaginário.


sábado, fevereiro 10, 2024

modelações XXIV

 

 modelações XXIV


 

 Estudo de mãos Desenho a grafite sobre papel

 21x28 Anos 80


Refresca esta minha agonia com o teu corpo alegre, musa dos cabelos de ouro; carrapito mar, nessa densa atmosfera dos teus ombros e pescoço de linho, ondulando na fímbria dum Agosto alado; neste patamar azulado de servidão aos olhos, com música da rua amarga, os leves passos dançam; teus gestos da minha aflição, jardim sem flores; nos regatos das horas que voam construímos amarras, ocos pássaros das madrugadas; papoilas flutuando sobre as águas dos meus itinerários, como cerejas brancas no inverno, a chuva bate; na esplanada este céu de nuvens dos olhos e bolor avulso; a tarde inicial dos sentidos brilhando despeja na atmosfera um doce dilúvio de refracção, – cálcio dos ossos delicados; sobre o tampo da mesa a mão abandonada ondula e cerze notas musicais; brandindo sobre os braços ecos e amarras, os murmúrios das águas acordam na pele os brandos louvores do zéfiro; é a tarde enrolada no devaneio dos sentidos, sobre a luminosidade que paira nos verdes marítimos, nos azuis celestes encostados aos horizontes da quietação; ela passa, quimera dor que abraçamos ternamente, os dedos abrem-se sobre a superfície metálica como asas querendo voar, e, inteiramente nus sossegam; na despedida um prosaico mastigar enlaçando as estrias doiradas e os minerais, o pão que do abandono resta e a bruma evanescente; imagens iluminando os minerais das sinapses articulam frases, pensamentos, restos obtusos de vermelhões das artérias; sobre o granito da gramática o verbo apazigua e dá colorido aos remorsos.      

 

 

 

sexta-feira, janeiro 19, 2024

modelações XXIII




Espaço decomposto

Desenho a grafite sobre papel 60x80 - Anos 90

 

Às vezes visito a multidão, sopro nesse desejo lavado de salmoira como a amêijoa na Ria Formosa; não sei se o azul é branco, ou, verde a cor do mar que cerca a angústia; não sei se a verdade se esconde atrás dos opúsculos da mente ou se o nariz espirra um tremor azedo; a água corre com o destino natural que se lhe deduz da líquida natureza, assim como a espiga nasce da semente e veste-se de sol; abrindo-se em torrentes de ondulações, viajando sobre as crateras da resistência, obrigada à certificação dos encantos de mãos abertas, a água, está! – evapora-se como a subtileza dos encontros ou ainda na dor dos mesmos se se eleva à altura das raízes do sal nos desencontros em suspensão; agarro então os corpos cheios ou vazios pela cintura das vozes que oiço, enquanto a multidão avança em segredo sobre planos de quinta-essência; nestes casos é natural que a razão se esconda atrás dos horizontes como as fontes no deserto; os saberes também se precipitam na noite amachucados pelas sombras virgens, pois jamais alcançaram a sua grandeza de pensamento, assim como a alegria dos sonhos; visito a multidão pelo lado de fora, pelo lado em que os corpos se esforçam por encontrar os êxtases dos destinos, refrescados pelas ondas marítimas que vão descendo pelos degraus das escadas rolantes, com os pés lavados em perfumes da abundância; –  que farei sozinho sem as mãos dadas aos laços da amizade!