sexta-feira, março 17, 2023

modelações XV

 

 

 

  
  Sinais - Técnica mista

 lápis de cera, guache, guache e colagem  86x61 Anos 80

 

As rugas do horizonte crescem quando o inefável se abastece de angústias, quando os abutres espreitam com a sua fome de tudo, quão mesmo a carne macerada pelo vai-e-vem do desespero; a servidão é uma merda, e a carne presa ao chão fugindo dos suplícios, converge para múltiplos ecos; as bolhas nervosas de plantão às portas das farmácias, os ciprestes crescendo com o húmus das vacas – loucas, as invernias das raspadinhas, ou ainda, os doces arredondando as bochechas dos putos; uma pessoa entretém-se em jardinagens do restolho, da erva cuca e na debicagem do pólen geneticamente modificado; alimenta-se duma fuligem de futuro ricamente embalado –, um carro todo electrónico, por exemplo; outrora sonhava com um penico dourado, senão, uma muleta para a velhice e uma galinha poedeira; os tempos mudam num vai e vem, é certo, como as ondas do mar tropeçando nos calhaus; as certezas rendilhadas de louvores, como os rumores eternos, ou os pronunciamentos fabulosos das vitórias, casam-se com as cuspidelas do vazio –, ameixas ardendo no oásis da secura das lágrimas; sobre o véu sem lágrimas cresce um amor mole, uma dança de mistério surdo na folhagem rendilhada das árvores, nos troncos retorcidos das tripas folhosas e dos pesadelos; não haverá flores acesas na escuridão, auguram os sábios que alimentam a adrenalina dos nervos; nem tudo converge para adivinhações, pese o incauto olaré dos bruxedos nos ecrãs dos cristais luminosos e cintilantes; o amor ofereceu-nos a nobreza do coração, mas foi só! – um empréstimo doloroso às arrecuas; todo o corpo sofre com os regalos fechados nos cofres da abstinência; a matéria porosa dos beijos agita-se na poeira dos tempos, como naufrágios de pássaros sugados pelos oceanos azuis; o adorno do cantar, com seus versos de absinto, cruza as esplanadas dos sonhos; brindando em redor com os copos vazios ou as inalações dos vapores de mercúrio saindo das guelras dos peixes, os navegantes dos cemitérios, desta nossa terra, de mares e rios nela lavrados, piscam olhares virtuais; sabemos que os passageiros presentes nas barcas ao luar, entoam hinos aquáticos, lamentos às estrelas errantes, bêbados da sua sofreguidão, alas tão abertas na noite das vésperas como uma terra sem pão; gostaríamos de ver o pão ázimo da manhã sem vermes, sem sinais de derrota, mas o atrito dos preços nos bolsos fermentam as leveduras agrestes, e todo o além surge na memória como sardinha enlatada.