quarta-feira, dezembro 31, 2014

O algoritmo da palavra





Encontrei uma palavra no chão

Quis saber o que ela era

Interroguei-a sem compaixão

Disse-me não saber donde viera



Ano Novo!

Coisa estranha…

Pensei eu comigo

Ano, ainda se entranha

Novo…começa onde eu fico?




sexta-feira, dezembro 26, 2014

O algoritmo da palavra



há versos instantâneos 
nas almofadas da imaginação

é um hábito
desnudado

a matriz cíclica
governante das bocas
desobstruindo os duros nós



quarta-feira, dezembro 24, 2014

O algoritmo da palavra




a litografia dos nomes
encastrados perdeu-se 

e o horizonte das palavras 
ficou mudo

procura-se agora
o verbo solto

na peugada dos corpos
viajam labaredas



domingo, dezembro 21, 2014

O algoritmo da palavra



o algoritmo
da palavra poética
é um denso mar

recriar o vazio
é ainda
a voz da 
minha ausência

se te procuro
numa palavra
fico encalhado
no deserto



segunda-feira, dezembro 08, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 101

para poemas complexos:

;o ciúme é o amor escondido numa garrafa;


Nota:

é um poema contra a violência


não se deve poetar com os nomes
Pedro e Inês
onde as rugas do tempo tecem
vocábulos suspeitos

Romeu e Julieta
assim assim
pese embora 
a vocação para as interdições 
o escuro atravessando as janelas

se o amor é louco
e se se perde nas verdades esgrimindo-se
o longe projectado nas palavras
mostrará o anil das incertezas 

esbracejando ao som
das flores de laranjeira
o mar segurando o verde vidro
abre caminho aos agudos frémitos
agudos



quinta-feira, dezembro 04, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 100

para poemas complexos


;os berços selvagens criam papoilas no coração;

Nota:

 é um poema para
ser produzido em centrifugadora

após uma solução em ácidos alfabéticos 
os eczemas da fala soltam-se

prendem-se às paredes escuras
aos nirvanas às prendas de natal
às fendas  deixadas pelos lexemas
à interpretação  dos sintomas
do som das  vogais

todo o significado cria um abuso de poder

restará uma luzerna de ócio vermelho
crescendo pelo vão da ignorância 

o poeta rejubila  do
poder magnético do silêncio

aos outros será dada a palavra






quarta-feira, dezembro 03, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


 Nº 99

para poemas complexos



;tenho cansaços  mentais onde navegam poeiras do eterno;

 Nota:

é um contra-poema  

o poeta deve suspender a mão
sobre as vitualhas do Inverno
não escrever a escrita
procurar um não suposto descanso

inventariar os dedos da mão
reduzir os afazeres ao crepúsculo dos deuses 
desatar os nós dos sentidos sentimentos
beber água nos ribeiros da melancolia 

bastará ao poeta ser poeta
levantar as palavras do chão
sem fazer poeiras de mistérios
ter anseios lado a lado 
com o vizinho





segunda-feira, dezembro 01, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 98

para poemas  simples

;os belos horizontes entupiram o eterno;


é uma poesia fantasmagórica
onde o Carnaval da Noite
bebe nas fontes do vazio

cravejado de alegorias
o poema - palavra embala
as saudades embutidas

os viajantes percursores
olham os fios vegetais do longe

uma camada de sensual penugem
culminará na longa marcha
terra das luas intimas



sexta-feira, novembro 28, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 97

para poemas simples

;nos subúrbios da manteiga cresci rente às ervas;

Nota:

deve-se  ter  em em conta neste poema
que o poeta jamais se alimentou  dos néctares
ou iguarias dos deuses

os ébrios manjares entrando
pelas soleiras das portas  singelas
ficaram presos nas redomas  acústicas

a paixão pelos vinhos nocturnos
embuçados nos vícios da delicadeza
não servirão de tapete - verde
às ambições dos vilões das tabernas 

o poema não abdicará
de crescer liberto
ainda  que o poeta se una 
à terra fresca




segunda-feira, novembro 24, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas



Nº 96

para poemas simples


;os esplêndidos sorrisos
incubam-me alergias às poeiras amorosas;


Nota:

dar-se-á neste poema
 algo como a desertificação 

os segredos  adornando as paixões
são tidos como vestígios do pólen

o poeta sustentará a vigilância
sobre as imbricações  dos veludos nocturnos

e os acentos da voz mitigante
caleidoscópica   
perdem-se nas valetas
de hibernados  amantes 

as queixas os  amuos
revalidam as sincronizações dos sorrisos

para lá da alegria
veste-se de água o sal


quarta-feira, novembro 19, 2014

terça-feira, novembro 11, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 95

para poemas simples


;todo o real é uma inundação dos sentidos;


 Anotam-se alguns  factos do real:


a mulher nua convergindo
para o homem de costas                     - realidade  assombrada

o homem de costas convergindo
 em direcção ao centro                       - realidade sem direcção

o peixe                                               - realidade sem ficção

na ondulação da água                        - realidade desmesurada

a gravata presa
 ao pescoço do peixe                         - realidade sem fins lucrativos

 o grande lago

 que adormece na luz  represada       - realidade sentimental

o anel quebrado no dedo                   - realidade do objecto

a família que espera                           - realidade da distância

o que se procura na distância            - realidade do irmão

a fadiga diante do olhar                     - realidade de oceano

a linda noite de brilhantina azul         - realidade abusiva

os esplêndidos sorrisos                      - realidade triturada

as queixas  das lápides                      - realidade surda

as poeiras do amor                            - realidade  navegante

sublime realidade                             - realidade com janelas

o sentido                                           - realidade ilustrada

as marés                                           - realidade sem prisão






quinta-feira, outubro 30, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 94

para poemas simples


;conviver com a solidão gasta os joelhos a rezar;

Nota:

não convém comer com garfo de aço
quando um poeta escreve, Só, para a solidão

afectos Ruidosos ficam presos em dentes subterrâneos
olhos abstractos podem cavalgar em hinos das Encruzilhadas 

esta - poesia Degolada - pela mão escrevente
Adversa ao rumor das rimas
não subirá de tom
não abrirá a boca ao reluzente desaforo

prescrevendo as palavras na mão Esquerda do poeta
espera-se que daí se parta à espera dum amor sem luto

anota-se!  - que o poeta alcance a maturidade
                    com versos próximos da sua voz Desinundada 




segunda-feira, outubro 20, 2014

Anos 10



  Quadro 13
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela,madeira e pintura a óleo
33x27












  Quadro 12
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela,madeira e pintura a óleo
33x27







  Quadro 11
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela,madeira e pintura a óleo
33x27

terça-feira, outubro 14, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 93

para poemas simples


;iluminemos o horizonte com o brilho dos cadáveres; 

Nota:

poema sem verniz nas consoantes 
poema para consolar os amantes da perdição;
digamos que é um poema desconsolado
sem interior metafisico 
e que por isso se poderá comprar nos supermercados
a preços já bolorentos 

mas não é um poema 
com cadáveres flutuantes
ou rusgas fictícias

o poema pode ter brilho
porém,
jamais licitações sobre a amargura
de amantes

na verdade,
será.  


quinta-feira, outubro 09, 2014

terça-feira, outubro 07, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 92


para poemas simples

;beijocas!... é o melhor para dar devaia ao amor;


Nota:

é um poema sem ódio
nivelado pelo cheiro a alfazema 
sem ondas que lancem para o interior dos amantes
sentimentos encortiçados

beijocas nos joelhos
beijocas nos umbigos
aqui e ali

beijocas sem atritos devastadores,
nem mesmo pequenos socalcos 
nas lágrimas

o poeta deve ouvir, atento,
com os ouvidos das válvulas
do coração
os ruídos do verbo amar:

eu amo mesmo com nevoeiro
tu amas mesmo com nevoiero
ele ama mesmo com nevoeiro; ruído de cabelos despenteadamente em leque

nós amamos com olhos de gato 
vós amais com olhos de gato
eles amam com olhos de gato preto; ruído de rubras papoilas  no quarto





sábado, outubro 04, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas



Nº 91


para poemas complexos

; só a infância do eu regressa  despida ao berço;


Nota:

será escrita poética para todos os que 
dos novelos sentimentais não haja memória

a nostalgia obrigará o poeta a olhar-se de frente
comove-se naturalmente pela escassez das lembranças 
e procura nas vitrinas do acaso soluções 

é um poeta transfigurado
envolto nos mistérios dos poentes sobrepostos

atingirá a plena maturidade 
através duma escrita em ascensão para o centro

não esquecerá que do eu
resta sempre um circulo indelével



segunda-feira, setembro 29, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº90

para poemas complexos


;entre o aprisionamento da vontade e as delicias do desejo
 haverá um intervalo de segredos;


Nota:

deverá ser um poema reforçado:

as delícias do desejo devem ser escondidas
algures com trancas de vidro
porque a vontade aprisionada
solta uivos bêbados de alegrias 

este  poeta anda sempre vestido
de zonas cinzentas no olhar  



quinta-feira, setembro 25, 2014

Mostruário de Títulos para Poemas




Nº 89

para poemas complexos

;o vinho consubstancia no corpo a voz do eterno;


Nota:

é um poema onde não poderá entrar
qualquer resquício de medo

as palavras deste  poeta devem soar
como se fossem levadas pelo vento:

lá no altooooo de algum encantoooo
soaaaaando teus lábios o sorrisoooo
voaaaaam teus olhos no espantoooo
de alguuuuum orgulho narcisoooo


e na vooooz  que aqui soaaaaa
abeeeerta  ao ééééteeer vaporosooo
o eternoooo assiiiiim  voaaaa 
pela  narrrativvvvaaa do corpoooo


no entanto o poema não poderá cheirar a vinagre.







segunda-feira, setembro 15, 2014

Anos 10


  Quadro 10
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela, chapéu de feltro pintura a óleo
33x27


 


  Quadro 9
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela, madeira, pregos, pintura a óleo
33x27




  Quadro 8
Painel/instalação
   Um homem na paisagem
     Tela, folha seca de planta natural, pintura a óleo
33x27


quinta-feira, setembro 11, 2014

Viagens no Texto - com ponto final (2)


101ª viagem




Nada reverte o amor em palavras

As sombras  não são pudor,

Os nomes cristalizam nas margens

O corpo evola-se em ardor



Teu nome tão grato às manhãs

Teu invólucro  de nada presente

Teus passos de alguma serpente

Carpir do crepe da roca das lãs



O rio que por aqui passa

Nas margens das asas d´água

É rio em perpétua vasa

Sem nomes! – insólita mágoa



Não há nomes no vazio das avenças

Na bagagem crispada do sentir,

- Nomes são as nossas crenças

No mundo sentido e a fluir  

ponto final
11.09.14






100ª  viagem

vou despedaçar a liturgia
na escondida linguagem ...

- como e tenho vontade de comer
como tenho vontade de comer 
quero comer
ritual que quer o rito

a linguagem
ficou ainda assim
sem 

dizer, dá fome
a fome diz:
como e tenho vontade de comer
rito 
no hoje do amanha  que ainda  não é
- a linguagem não arquivou o precipício

dói na vontade de comer
a palavra dói não dói
a fome quer comer a dor

do corpo fome
que devorou a linguagem corpo
o berço da linguagem,
não

  ponto final
17.08-14




99ª  viagem

poderosa evanescência de um desequilibro
a palavra
renasce liquida do desejo,
assunção do corpo oculto
e inacabado

metáforas adejam 
as folhas semânticas
vibração metálica dos dedos
esculpindo
a emancipada voz

 ponto final
16.08-14




98ª  viagem


quando o sol ilumina as fontes
num reduto ávido de constelações
vislumbram-se possíveis horizontes
no calendário das perturbações


( nota:
esta quadra deve ser lida do ponto de vista
do nervosismo do poeta quando em viagem, assim -

 "as fontes" sítio a nort´esta das orelhas
"ávidas constelações" aura do poeta 
"possíveis horizontes" arrepios de frio
"calendário das perturbações" sintomas iniciáticos )

ponto final
12.08-14





97ª viagem

a palavra é
para dizer
o que cresço
ao dizer-te

a palavra 
dentro da palavra
no elo que me contem
no vir, indo

sensação de mim ao longe
cal e branco pássaro 
no inquieto azul

escopo escopro
o retinir que tange  

ponto final
09.08.14






96ª viagem

o que sou eu
um átrio de vantagem
uma bússola perceptiva?

ecos,bandejas onde deposito
os meus ócios,
reverbero da fuligem
dos átomos.

dá-me a voz o ar expelido
caçarola desta árvore de vento
humidade dos nomes aéreos ditos

talvez poema talvez azeitona 
subindo pela seiva
talvez eu

ponto final
08.07.14




95ª  viagem

o relógio canta
em sons de vermelho
maneira útil de dizer avancem

os segredos do universo
residem apenas em haver comida
comida para todos

a azafama da formiga
não pode ser engolida
pelas metafisicas do suor

é preciso electrizar as palavras
classificá-las, dar-lhes o peso necessário
à confiança

a minha viagem é esta:
- em vertigem
retirar do covil
os ácidos que corroem  a alegria

projectar na caverna
a luz que dá inteligência aos músculos
ser igual ao mundo
em dimensão concreta

por baixo das avenidas do olhar
cantar não é só
atirar os testículos à parade
- azedume de labaredas
queimar virgindades virgens

há alguma coisa
mais bonita
que um cu sem medo? 

ponto final
21.05.14



94ª  viagem

queria ser mais
nos grandes espaços do sonho
- mas como ser o acréscimo
perante as emboscadas?

pode a voz aglutinar os rebentos
sobre a imponderabilidade
da matéria?
- desviar para os oceanos
fluxos de cálcio enternecido
e a minha mão pousar
sobre a testa da minha delicadeza?


será breve a forma líquida
como o cio do orvalho 

ponto final
19.05.14



 93ª  viagem

vejo as lombrigas
que rabeiam coxas 
nas vistas dum computador
negociando o meu destino

dizem que não há verdades
ensanguentadas...
critérios deterministas mijando
para os ouvidos pessoais...

tudo é puro na "Ode Marítima"
se a energia estampada
no círculo emotivo
romper a amiba pueril

longe do silêncio vai
o comboio da insensatez 
longe de mim vão
as minhas certezas 

ponto final
 17.05.14





92ª  viagem

olhos de vidro
tlim tlim
fluxo transversal

corvo negro
grhó grhó
no andar
pró pró

à ilharga de beijarnelas
curvar
largar velocípedes
arrasar sentinelas

namorar  verão   bicicleta
                                janela aberta

vão ali
ali vão
o manel a norberta 
na bicicleta que era dela
sem janela no pedal

indiferentes independentes!...
não faz mal  

ponto final
05.05.14




91ª  viagem

vestido da voz que animava os seres
os vapores da palavra
encontraram as sapatilhas da dança,
uma cremação de beijos
atravessou o corpo do poeta

uma fome de sol esculpiu
na atmosfera um circulo
sonoro
a dança das palavras tinha encontrado
a vegetação animal
o poeta viu 
a forma do seu  cansaço e um destino visível

o movimento para a alegria mínima

no interior da manhã
o corpo curou-se da parte comercial
as margens do vendaval  em ruínas 

ponto final
04.04.14



 90ª  viagem

era outrora
quando os poetas exorcizavam
as palavras - lágrimas
de dor
em direcção à matéria solta

era outrora
na nervura do tempo
que os castigos dados às imperfeições
deixavam brilhos de inquietude
nos andaimes dos novos nomes

outrora 
um circulo de espanto e frio das mãos
nas proximidades de  hoje

ponto final
01.05.14



89ª  viagem

se o chão
guarda segredos de vidro
não te esqueças, porém,
da inquisitorial beleza dos enganos

todo o mármore da terra
é de manteiga se te aprouver

ponto final
30.04.14



88ª viagem

 a vida é
a nossa fúria
e o nosso esconderijo

habitamos nela com
uma única porta de saída
a morte

ponto final
29.04.14




 87ª Viagem

feliz noite de sombras prateadas
corpos languescentes comendo
algures gelados nas esplanadas
fios de brisa caindo
sobre cadeiras espaldadas

vive  corpo, soberba luz
de um redemoinho eterno
não te canses deste ou de outro
qualquer inverno

sobre o alugado momento
aqui e agora força é da vida
que se desdobra
na aura de um pensameto

tutelar  o absoluto dum instante
é aqui estar

maresia de um beijo
no espaldar do vento

ponto final
28.04.14




86ª  viagem

caminho ao encontro de mim
sem baixar os braços para o cemitério
paladino de todas as ausências
força dos ofícios que os laços
prendem dos músculos aos ossos

 crisalamos perpétuamente ávidos
 no átrio da levitação dos nomes

xaile da minha avó
soberbo entreposto
entre a vida e a morte

ponto final
27.04.14




85ª  viagem

um português nunca diz - é, faço, - diz sempre, talvez,
porque talvez é o tempo em marcha lenta
o tempo da verdade
Nunca ouve as notícias de  hoje 
prefere sempre as de à manha

ponto final
 24.04.14




84ª  viagem

passa um cão pela trela
mas é em mim que passa
a graça de uma emoção singela 
nos ecos do viver da praça

não é nada, é uma ternura voando
sementes de árvore sombreando espaços
pequenas névoas de meninos saltitando
destruindo a sombra de penedos e alguns sargaços

ponto final
18.04.14



83ª  viagem

cansado, dos gritos da vaidade
das lagartixas rastejando açucares,
loendros erguem justas lealdades
entre amores de rãs e nenúfares 

ponto final
15.04.14



82ª  viagem

a semântica do vento
nos espaços alargados
cria arcos de violinos
nas abas dos telhados

o vento semântizado rodopia
no espaço articulado
zunindo nos fios a melodia
daquilo ainda não alcançado 

braço alargado ao infinito
estou no cosmos, ogiva de mim,
estou fora porque o acho bonito
estou dentro porque nasci, enfim! 

ponto final
12.04.14



 81ª  viagem

construindo palavras
com o fogo descalibrado do tempo
palavras ruína
em espiral de descontentamento
volúvel amontoado de aspirinas
dores de vírgula e rotinas literárias
aspergindo

-- outras quero, libertas de emoções
sobre planuras desertas,
sem rasuras e contrições

palavras ao trambolhão
ferozes de o ser
que neguem as contradições
deste reduto a arder

palavras de quentes tremendo
palavras na mente aos pinotes
palavras cavalgando contrafortes
em dias sem chuva chovendo

palavras que eu quero assim
em grandeza da razão
sem ser palavras de botequim
rompendo verdades do chão

com a carne por moldura
rasgando a escravatura
desta  nossa solidão

ponto final
27.03.14


80ª  viagem

palavras nascidas do cio das rugas
tenaz fulgente de olvidadas luas  
mostra a estes pobres duendes tuas planuras 
neste corpo megalítico em ascese de vulvas

corpo traído em castigos infernais
corpo abelha volátil de mil sinais
corpo subtraído aos históricos vendavais 
corpo múltiplo, odre de páginas abissais

corpo regulado pelos astros
pelo cosmos infinito
corpo só voz com sinais de atrito

- libertem o corpo das fomes infinitas
deixem crescer nas tripas folgas nutrientes
que se dejecte pelo ânus muitas caganitas 
sejamos vitórias de contradições conscientes   

ponto final
24.03.14 



79ª  viagem

uns ministros patetas
ministérios ainda  mais
querem guardar em gavetas
um saber de pardais

constroem ideias sobre um cabelo
pestanejam sobre alguma bruma
enfrentando um pesadelo
são ávidos de coisa nenhuma

ministros e outros tantos
fingem voar - sem encantos
açoitando outros desejos

- são como escondidos percevejos

saem à noite de escondidos cantos
causando duros tormentos
ao sonho de muitos talentos 

ponto final
19.03.14



 78ª  viagem

estou dentro e estou fora
num sentir augusto de crisol
viver de névoa que se evola
clépsidra de cetim  em arrebol

num espaço infinito de rendilhados
graciosas árvores que o tempo sustem
sobre algum verniz escondendo os sustos
andam nuvens altas com ar de desdém

tão belas são, tão voláteis no azul celeste
que preso fico no seu véu,  aquém,
esquecendo as tempestades que sopram do oeste
impando de força e deixando-me refém 

ponto final
17.03.14



77ª viagem

quinhão da aventura
português dos mares
lavrador de solidões e sal
amizades no gume-da-navalha
soltando o ímpeto da corça
em regos de viagem
cantando o orgulho
das ébrias manhãs
em barcos de costa

- desces do teu carro azul feito mar -

então não andei a apanhar ameijoa!
 atravesso a Hungria, vou à Austria
tenho sete dias para chegar à Alemanha 

vou à boleia!

canta a tua alegria em léguas de esperança  

Quinto Império nas solas do sapato
 névoas de núpcias e vinagre no Cabo das Tormentas
quimeras de assombros em pernas-de-pau

sombras de ferro agrilhoando 
o vetusto herói.

quinhão da aventura 
em sandálias imperiais  

ponto final
12.03.14



76ª Viagem

nuvenzita, cristal de uma bebedeira
num céu tão grande azul
manto celeste ao colo aconchegando
terra filha violada pelos alcatruzes  do tempo
mesa de pão embora 

neste laço sentimental encoberto
deleite do quase nada a dar ao passo a passo

nuvenzita, cristal de um bago de arroz



                         TÃO ALTO

lá  no  alto            tão  alto                 tão


    TÃO             profundamente           ALTO



nos corredores do corpo despido
roçam as tuas gotas 
pela pele assobiam 
os clamores das desertas sementes

ponto final
08.03.14



75ª viagem

Há musica na esplanada
- fuligem de vinho
de alegrias velhas
 poeira luminosa de árvores antigas 

transeuntes voltados de costas
para o silêncio
no passeio

é azáfama  emboscada por pardais
com olhos de vidro

na avenida da Liberdade
a música continua à sombra
da liberdade

ponto final
29.01.14



74ª viagem

o Mundo é tão grande
e o meu pensamento tão pequeno
vou eu pensá-lo, agora?
se algum pensar te aflora
não o penses, ignora!
deita o pensamento fora

pensar só te isola e cansa
é melhor viver no entretenimento
e na dança
há ainda um profundo saber na ignorância 

pensar o Mundo é um pesadelo,
melhor que pensá-lo é vivê-lo
e melhor ainda, é tê-lo
possuí-lo sem zelo e sem pensar
são verbos exactos desse bazar...

não penses, deixa o pensamento passar...
e quando alguma coisa te faltar,
- o lamento já é um pensamento -
diz, diz só:

tive azar!

ponto final
22.01.14



73ª viagem

Há um regato de água
no chão do meu pensamento,
não vejo que haja alguma fraga 
corre nele sem tormento

É tão leve de o ser

na corrente que o pensar tem
que pensando-o, sem o querer,
pesa embora como pesa alguém

E neste pensar de água
em que o pensar se vai
fica meu corpo sem mágoa 
no peso em que se esvai

ponto final
19.01.14 



72ª viagem

burilando nas copas teus enxovais
onde sentindo verde te procuro
pelos átrios acústicos dos vendavais
às altas hastes me curvo

ponto final
14.01.14



71ª viagem

neste mundo em excesso de gordura
em ancas com refolhos intestinais
andam lúgubres olhares sem verdura
em incestos de carnes venais

ponto final
12.01.14



70ª viagem

meu corpo inteiro e nu 
visto do lado de fora
é como estar em jejum 
no tempo, a qualquer hora

é um barco encalhado
nos sargaços da maré,
as pernas p´ra qualquer lado
e os braços aqui ao pé

sinto a fome de o ter
nas fontes do seu coração
alegrias do seu viver
nas noites de perturbação 

ponto final
05.01.14



69ª viagem

o trabalho escravo
já não alimenta a urbe...
e o poeta diz: - os livros
são para dar companhia!...
e eu fico lobcooptado e em transe
lutando contra esta apatia...

ponto final
30.12.13



68ª viagem 

na paisagem envolvente
no sentir e no sentido
há uma música brilhante
um brilho no ouvido


encantatório nivelamento
anelado ao calor do sol,
viagens no pensamento
com luzes de tornesol 

ponto final
 27.12.13



67ª viagem

tu que me trazes envolto 
neste ardor supremo a que me reduzi
diz-me se ainda sou eu revolto
quando de ti em mim me despedi

não há nada que de ti  me distinga
sou eu e outro e mais ai não vai
neste ser tão avaro quanto ignoto
constrói este estar que em ti se esvai

e perdido num querer sem ter querido
estou tão perto de mim que em ti me oiço

nada está tão longe e tão perto
deste fazer e desfazer
que um sol que brilha encoberto
e a sombra do sol por acender

inda procuro o que serei
em suspensão me encontro
procuro neste orvalho absorto 
na voz em que te procurei

não te oiço não te vejo
de longe em mim estás 
acendo em mim o teu beijo
em mim nele me verás 

ponto final

20.12.13



66ª viagem

saudades tenho das palavras
que nunca disse
neste longe corpo
por as encontrar
em janelas
em que nelas me visse
jurando por elas
que as iria amar

ponto final
18.12.13




65ª viagem

hoje sou um animal
diferente
despejei o ego
fui p´ra taberna

encontrei uma moeda
dei-a ao que estava sentado no banco
(esgrimia o frio com as pontas dos  dedos
num cigarro a fazer)

tens que olhar para o chão...
há lá sempre coisas inverosímeis 

hé...hé...e guardou o pecúleo

na taberna e ser 
a amostra de corpo
sem fronteiras

imaginação  alagada de cansaços 
atmosfera redonda
circunstâncias alacres 
horizonte de vícios 

mergulho no mim 
lavado de afazeres de ontem

centrifugo a vontade para gato branco
deitado ao sol

não é preciso ir à praia
derramo-me  bocejando água e espuma
sou agora

ponto final

17.12.3



Nº 64

herdo os crepúsculos
das trágicas heranças 

caminho devagar sobre
as gretas do amor

fareja os cheiros que eu não posso
o cão
é um momento claro

liberto o dia
sujeito-me à sua respiração

ponto final

15.12.13



63ª viagem

caminho com o chão
neste  mar de sombra

cantar com braços curvos
a terra gretada

não há cemitério do tempo
quando, as flores...

lírio do sol que me abraçou, ou...
pureza de um ventre verde

não é do susto que nascem as tuas saudades
embala-me este habitáculo de nuvens agrestes
sóbrias constelações 

ó corpo desventrado e ao sol
sincroniza teu ritmo com
a cibernética da palavra

olha o chão com o vagar da demora, não cuspas
veste os passos teus nas palavras que doem 
abraça o coração em fogo que nos cerca

não há templos sagrados
há o beijo que me destes
quando ainda eu não era

como as tuas favas
no corpo que me espera  

sementes do meu olhar, sem... 

ponto final

09.12.13



62ª viagem

a realidade não dorme;

no pleno uso dos meus direitos
adquiri uma fábrica de fazer Nadas
com um quase nada de investimento
transformo-os agora em Coisa-Nenhuma e
vendo-os a quem está Cansado de Tudo

ponto final

01.12.13



61ª viagem

É pena que haja homens e mulheres que só tenham poesia nos braços

Sempre há um buraco no chão para onde despejar a força muscular
o destino fuzilado

Hoje é um dia com as ágatas de luto   

A comunidade cientifica verifica que para o homem perfeito
domicílio natural  na elegância do mundo 
há sempre um  pelo de prata que falta na barba 

um ácaro agarrado à pele ou 
a carcaça dum elefante debaixo duma unha do pé

e tudo isto me provoca no meu pequenino coração
uma espécie de sombra do cantar da cigarra

Será possível que o amor nasça do caos?

ponto final

14.11.13



60ª viagem

viva com paixão ou sem ela
viva sempre no labor
da vida em combustão

Viver é a única verdade
que ao mundo trás nossa solidão

ponto final

11.11.13



 59ª viagem

a tua fotografia
esburacada de eu a olhar
na minha mesa de cabeceira
olha-me entre os clamores do deserto

é uma frágil mistura de papel
e angústia, amarrotada embora
na luz dos arvoredos pela sofreguidão do tempo


trilha os carrilhos 
das rosas no quintal que 
me encostam aos veludos dos caminhos

soberbas aparências de pétalas e vinhos
triturando o sangue da memória 

ponto final

03.11.13




58ª viagem

tropeço no teu corpo com esta paixão
- escrever como se fosse um sorriso,
teu sorriso -
proveito de mim na escuridão das emboscadas,
cavalgar na floresta dos teus dentes
abrir teus lábios aos reflexos luminosos
das folhas verdes e maduras,
descobrir as palavras escondidas na boca branca
limpar o som nas gavetas da língua.

cativar o indizível dito
para além do som e do gesto

ponto final

31.10.13



57ª  viagem

No céu aberto
aquele avião
um risco deixa
no meu coração

Nos céus desertos
em sonhos altos vão
rumos incertos
naquele avião

Na longa viagem
e na imensidão
é meu coração
aquele avião

ponto final

25.10.13



56ª  viagem

Um ministro singular
Crato de seu nome
ao alemão nos quer igualar
pensa que sabe pensar

Logo no início a diferença
no ensino quer criar
"aluno sim o outro não"
cria assim a diferenciação
muito cedo no estudar

       minha mão

              dentes de cão
       coçam na pele
             sua comichão


Um destino quer dar
numa régua traçado
como se o português singular
ao alemão fosse igualado

Pensa que sabe pensar
com um riso albardado
deixa inserto no ar
sepulturas do nosso passado

    minha mão

            dentes de cão
   coçam na raiva
            sua comichão

ponto final

18.10.13



55ª  viagem

olho a cadeira em frente
e nesta outra meu corpo sinto

no atraído corpo pesado
na instância do seu prazer
esqueço que estou sentado
suspendem meus olhos o ver

outro sentir, este gustativo
que nas papilas verdejam
desfaz o peso  n'olfactivo
e vozes luminosas  adejam 

fica a existência duplicada
entre o peso e a levitação
de mim fico sem nada
estar onde eis a questão 

ponto final

16.10.13



54ª  viagem

quando as pessoas 
na sua individualidade
querem ser mais que povo
ganham ódio ao possível povo,
penso

ponto final

10.10.13



53ª  viagem

todos os átomos são diferentes
todas as moléculas inenarráveis
o mundo como representação
são possíveis infindáveis

ponto final

08.10.13



52ª viagem

se eu pudesse
suspender  teu sorriso
no indomável corpo meu
e, aí, sem aviso
prendê-lo
ao fogo que me prendeu...

consta que a níveis submersos 
onde o desejo se esvai
fica a saudade destes versos
no sorriso dos meus ais 

ponto final

07.10.13



51ª viagem

cansei-me de olhar o umbigo em redor
e sem acção encostar o ouvido ao tempo

inventar árvores em noites adormecidas
enterrar as pétalas dos girassóis
em lengalengas 
bem-me-queres mal-me-queres

o ácido das palavras solitárias
pode corroer o corpo

nenhum amor passará
pelo buraco duma agulha
se um só níquel
restar no fundo das algibeiras

ponto final

03.10.13