domingo, outubro 23, 2022

modelações X

 

 

 Roturas - composição

Pintura a lápis de cor, guache -  colagem sobre cartolina 

70x57 Anos 80

 

 Ontem foi o dia ínfimo com a dança do tempo leve roçando à ilharga do desejo, qual ruído de um fósforo ardendo; veste-se o dia dos amarelos da pólvora e rendas dos festejos; deste teu jardim que amaina na longa distracção e coloca no inverno das palavras o pão necessário, o busílis da alegria ou o campo aberto sofisticado, distende-se um olhar calvo de expectativa; Sossega coração alienado, teu sopro redundante é um pavão de sombra, bardo cavalo roendo alecrim; na selva dos corações enamorados abundam os tremores das flores de plástico como pássaros mortos nas gaiolas douradas

Não há crepúsculos sem temores

Abeiremo-nos da glorificação dos astros, da medida dos raios luminosos, da ondulação dos mares, das asas dos insectos! Exercícios fulgurantes na provisão das mãos colorindo as forças dos destinos razoáveis, dos mastros da imaginação, dos laços eternos das, flores do mal, com o bailado corporal como espuma de cerveja borbulhando naqueles, alongam a dimensão do corpo provisório; copo de cristal expandindo-se, – alegria inchando a gravidade; no humor dos olhos e das pedras molhadas crescem as vozes da pele apelando aos torsos enlaçados e à sua multiplicação venerável; – abraçadas estão as flores e os insectos nos propósitos da continuidade e da abastança; por aqui e por ali despistam-se os nervos da natureza e veste-se a redondez terreal de um boreal azedo, dizem, antigos navegantes, atormentados pelos temores  

Os suicídios mentais crescem nas varandas

Cresce o corpo multiforme como aranha seduzida pela teia do instinto caprichoso; enquanto as varandas suspensas nos arranha-céus das metrópoles voam em direcção à angústia caseira, na planície do chão da casa onde habitam os segredos amadurecidos, pela desventura?, chove gordura; incendeiam-se as crisálidas quando as metamorfoses requeriam o sucesso nas sinapses dos nervos; – não nos torturem com os excessos minguados, as balanças do vazio da mente nas, – cavernas do cérebro; seja a poesia um travão à melancolia e os dedos festejando a brancura do sal, bandos de aves entupindo os canais informativos nas deslocações noticiosas, as papas da avó o regresso das benzeduras da dor, nos atributos desta escrita com suicídios mentais, viajo na dormência da água caindo sobre a luz do vinho, com fortes dores de cabeça

 Não há fogo que queime este azar

E as borboletas onde estão elas? – que amor nos atrai para o seu silêncio? – que voo nos traz para a alegria? – o vento das suas asa provocou um tsunami? Criei saudades onde estavam as pedras de sal que alimentavam a inquietação do sangue; falta-nos a água, as gotas de orvalho e os rios da fortuna, com a sua dor de crescimento e necessidade; não é passageira a agonia dos astros, as tempestades das errâncias fortuitas nas marés dos desalojados; os banhos dessa carne negra viajando na escuridão, alimentam o vácuo das asas mcdonald, as trincheiras das espingardas e dos gatilhos da poesia

A insubordinação é um forte com o coração ardendo

O regabofe da mente desliza; a presunção das vestes beijando os suplícios aplaude os sintomas da morte nos grandes armazéns das maravilhas ocultas; a ciência do medo é um atavio de aço forçando às grandes tempestades; saio devagar deste destino surdo, do bico da águia moribunda depenando a sua solidão; a insubmissão não está constipada! – e se arder na febre?        

 

 

sexta-feira, outubro 07, 2022

modelações IX

 


 O homem na cidade IV

 Desenho a grafite sobre papel 21.5x16.5   1976

 

 

A eternidade é um presente amargo

 – Viajando no infinito

     um mínimo sinal

O silêncio de agulha

naufraga  nas pupilas

 

Suponhamos que o vai-e-vem que nos sufoca e nos acorrenta, desliza até às madrugadas dum devir de inaudito tempo: – carros automóveis fortificando o espaço, horários embelezados atravessados nos dias quentes e frios, chuvas torrenciais abrindo buracos nos idílios etéreos, esgotamentos inopinados nos hospitais sem músculos, benévolas tristezas madurando no ventre humano, fissuras no mundo vegetal; acariciando as atribulações constroem-se os grandes espaços da alegria: armazéns de mercadorias mundanas segregando a paixão dos olhos, realejos apregoando sem descanso novas matérias, anúncios exalando vertigens vertiginosas sem desgostos acumulados, dores abdominais sintetizadas nos fármacos; tudo ensaiando a grandeza do eterno tempo como luva cobrindo a mão e os dedos, naturalmente! 

Muitas sombras persistem aí como formigueiros enterrados nos confins da natureza, manchas que sobem à luz com um brilho baço a soltar-se dessa escuridão avulsa rodeando tanto o interior da terra como as circunvoluções da mente, por vezes; sinais densos que ficam povoando os interstícios melancólicos do corpo, não deixando que este se apague numa tristeza vil ou amaldiçoada de carne envelhecida.  

Naquele em que as andorinhas dormiam sossegadas nos beirais, as árvores esgrimiam os seus odores perfumados na atmosfera dulcificada pelos matizes da terra branda, as vozes do interior diziam dos recados dos falantes, primazias de cultos antigos que habitavam os tremores do mundo qualificável; era assim um endosso mergulhando nas planícies esverdeadas e garbosas, fundando raízes, não eternas, como sabemos; dormindo cabisbaixo sob a via láctea, o céu da noite era um enxame de abelhas luzidias sem fim, um cântico fervoroso de paixão nocturna abeirando-se dos nossos louvores.

 Muitas sombras persistem aí, como nevoeiro embalando a imensidão!

No palco, dançantes meneiam as virilhas, ondulando as ancas em sacudidelas, diria, – ferozes, se os estrupidos dos ossos fossem audíveis aos murmúrios das mentes galvanizadas; eu estava lá; Estive; alucinado? – nem tanto; aferrolhando o olhar contra os corpos em movimento, dançando ainda com os dentes serrados, tenso, (e) sem gestos por fora que denunciassem esses demónios que outrora me haviam habitado agora renovando nas lembranças os seus ácaros internos, ao diapasão musical, – inverno dos coloridos ossos.

 Muitas sombras persistem, como cataratas densas dentro dos ecrãs!

Depois daquele, o mundo cirandava nocturno e fervoroso; aquele outro, inundava os pensamentos com abundância de vertigens desassombradas; eram lágrimas contra as apoteoses, cicatrizes sobre o verniz mole da secura do tempo, bainhas dos tecidos de seda deslizando como marés tormentosas sobre o corpo em andamento; não havia intervalos para músicas sulfúricas, cânticos de brilhantina expandindo que entrassem pela pele enrijecida; aposentos com pouca luz acariciando as antas do coração; onde se vivia era um círculo fechado sem afectações dos espelhos, ruído de angústias e pavores, mas ainda assim, fértil de branduras costumeiras não rasuradas.

 Muitas sombras persistem em surdina de vozes abismadas

Na vertigem do assombro calcula-se o prosaico com as medidas carregadas de matéria subtil, espiras sinfónicas calcorreando os laços com alturas caleidoscópicas, Platão, Schopenhauer ou Nitche, - s faz f! e os vícios melodiosos que embalam os continentes melodramáticos, tornam-se agastados redutos da mente, forças anónimas do empobrecimento nervoso como nódoas de gordura no tecido de seda, –  mel dos tecidos alumbrados.  

Muitas sombras persistem na curva das despovoadas sobrancelhas

Por esta noite, ébria de luzes, quando os aborrecimentos se julgam presos nas gavetas fechadas, ganham-se impulsos da maquinaria dos êxtases, fervendo os músculos, com paixão, nos fogos de animação acústica; poemas esfrangalhados dos esqueletos quando as articulações se enfocam na sua total dinâmica, toda poderosa, – ginástica dos amores incontidos; reside aí a abundância de sofrimento, pois todas as náuseas, todos aqueles grossos pedaços de angústias e pesadelos são chamados à sua dissolução, emergindo momentaneamente das lágrimas avulsas, a acre doçura, como sumo de limão espremido; é uma sessão solene sustida pelo pavor à morte, à solidão envenenada pela beleza exangue; dei a mão ao meu passado e verifiquei que estive lá; estou ainda aí no fulgor duma sombra que se aninha com um sol parado, estático e mudo, sem dentes para mastigar o real.