segunda-feira, novembro 27, 2017

os corredores habitados



  ...e saio pela porta da entrada
o espaço oposto ao declínio, onde posso aguardar o passado e restituir a mensagem das árvores visitando as portas acudidos pelo prazer; saio pela porta emblemática, no jardim da renascença dou passos envoltos nos mistérios dos espelhos, das águas que abrem caminhos sem luto na cidade envolvida na grande festa da agitação; - os carros voam nos subterrâneos, deixam rastos de vernizes na atmosfera bolorenta, dão socos na imaginação em fuga desesperada dos semáforos e às linhas brancas dos asfaltos; - deambulando pelas frestas da cidade encontro-me no passado, o grande armazém das vulneráveis recordações; insinto  o moço tentando voar no degrau acima das calçadas, um palmo desviado para a alegria, entregue à baralhada imaginação; o espelho daí está aqui, resgatado e tropeçando nos entulhos das visões sangrentas, entrando pela porta da saída, vulnerável à inquietação e á memória; - entrando e saindo, saindo e entrando habita-se no mesmo espaço? erguem-se degraus no alvoroço da mente, desagua-se na frouxa luz, bate-se à porta dos espelhos? - a flora habita-nos como o endereço dum destino, pressupõe a adesão à errância e ao estábulo; na conservação da natureza nascem flores no peito; a cidade cospe-me para o lado, virtualiza a adesão
é no grande Palácio que me encontro, onde miro o Miró, - o grande palácio e as suas pedras, os arcos, as fachadas, o orgulhoso janelame alinhado como um exercito fulminante pairando sobre a colina, casas diminutas aos seus  pés assessorando o destino comum e díspar, a toalha azulada e verdosa da água enrolando o horizonte; pela distância das janelas filtra-se o universo, do longo corredor emergem as alcovas de príncipes e princesas; aos olhos o cheiro principesco dos pentes de marfim e panos acetinados, ao olfacto a visão do bolor do tempo, as rugas na velhice dos panos e seus antigos usuários, retratos pendurados sopram ainda ventos nos peitos comovidos dos visitantes; a história empastada em veludos e canapés rói à distância o nosso tempo enfadado e misterioso; - mirando os mirós descubro as evanescentes paisagens rebuscadas nos riscos solitários e manchas agrestes, a violência dos trapos e das alcovas, desertos da imaginação truncados por açodadas manchas cromáticas arrebatando o espaço desconectado; outras, suaves como filantrópicos acasos do olhar, perfumes centrifugados das manhãs celestes, paixões ainda temporãs e tímidas; - sem pessoas, o mundo virtual acusa a realidade de prosaica, remete para a substância de um mal menor, engaja o trôpego viver nas nuances da caligrafia; quando parto, sobre a ponte, já é noite, e ao longe sob a esplanada escurecida, um manto luminoso de um amarelado plangente eleva-se até ao Grande Palácio que nos vigia mansamente