101ª viagem
Nada reverte o amor em palavras
As sombras não são pudor,
Os nomes cristalizam nas margens
O corpo evola-se em ardor
Teu nome tão grato às manhãs
Teu invólucro de nada presente
Teus passos de alguma serpente
Carpir do crepe da roca das lãs
O rio que por aqui passa
Nas margens das asas d´água
É rio em perpétua vasa
Sem nomes! – insólita mágoa
Não há nomes no vazio das avenças
Na bagagem crispada do sentir,
- Nomes são as nossas crenças
No mundo sentido e a fluir
ponto final
11.09.14
100ª viagem
vou despedaçar a liturgia
na escondida linguagem ...
- como e tenho vontade de comer
como tenho vontade de comer
quero comer
ritual que quer o rito
a linguagem
ficou ainda assim
sem
dizer, dá fome
a fome diz:
como e tenho vontade de comer
rito
no hoje do amanha que ainda não é
- a linguagem não arquivou o precipício
dói na vontade de comer
a palavra dói não dói
a fome quer comer a dor
do corpo fome
que devorou a linguagem corpo
o berço da linguagem,
não
ponto final
17.08-14
99ª viagem
poderosa evanescência de um desequilibro
a palavra
renasce liquida do desejo,
assunção do corpo oculto
e inacabado
metáforas adejam
as folhas semânticas
vibração metálica dos dedos
esculpindo
a emancipada voz
ponto final
16.08-14
98ª viagem
quando o sol ilumina as fontes
num reduto ávido de constelações
vislumbram-se possíveis horizontes
no calendário das perturbações
( nota:
esta quadra deve ser lida do ponto de vista
do nervosismo do poeta quando em viagem, assim -
"as fontes" sítio a nort´esta das orelhas
"ávidas constelações" aura do poeta
"possíveis horizontes" arrepios de frio
"calendário das perturbações" sintomas iniciáticos )
ponto final
12.08-14
97ª viagem
a palavra é
para dizer
o que cresço
ao dizer-te
a palavra
dentro da palavra
no elo que me contem
no vir, indo
sensação de mim ao longe
cal e branco pássaro
no inquieto azul
escopo escopro
o retinir que tange
ponto final
09.08.14
96ª viagem
o que sou eu
um átrio de vantagem
uma bússola perceptiva?
ecos,bandejas onde deposito
os meus ócios,
reverbero da fuligem
dos átomos.
dá-me a voz o ar expelido
caçarola desta árvore de vento
humidade dos nomes aéreos ditos
talvez poema talvez azeitona
subindo pela seiva
talvez eu
ponto final
08.07.14
95ª viagem
o relógio canta
em sons de vermelho
maneira útil de dizer avancem
os segredos do universo
residem apenas em haver comida
comida para todos
a azafama da formiga
não pode ser engolida
pelas metafisicas do suor
é preciso electrizar as palavras
classificá-las, dar-lhes o peso necessário
à confiança
a minha viagem é esta:
- em vertigem
retirar do covil
os ácidos que corroem a alegria
projectar na caverna
a luz que dá inteligência aos músculos
ser igual ao mundo
em dimensão concreta
por baixo das avenidas do olhar
cantar não é só
atirar os testículos à parade
- azedume de labaredas
queimar virgindades virgens
há alguma coisa
mais bonita
que um cu sem medo?
ponto final
21.05.14
94ª viagem
queria ser mais
nos grandes espaços do sonho
- mas como ser o acréscimo
perante as emboscadas?
pode a voz aglutinar os rebentos
sobre a imponderabilidade
da matéria?
- desviar para os oceanos
fluxos de cálcio enternecido
e a minha mão pousar
sobre a testa da minha delicadeza?
será breve a forma líquida
como o cio do orvalho
ponto final
19.05.14
93ª viagem
vejo as lombrigas
que rabeiam coxas
nas vistas dum computador
negociando o meu destino
dizem que não há verdades
ensanguentadas...
critérios deterministas mijando
para os ouvidos pessoais...
tudo é puro na "Ode Marítima"
se a energia estampada
no círculo emotivo
romper a amiba pueril
longe do silêncio vai
o comboio da insensatez
longe de mim vão
as minhas certezas
ponto final
17.05.14
92ª viagem
olhos de vidro
tlim tlim
fluxo transversal
corvo negro
grhó grhó
no andar
pró pró
à ilharga de beijarnelas
curvar
largar velocípedes
arrasar sentinelas
namorar verão bicicleta
janela aberta
vão ali
ali vão
o manel a norberta
na bicicleta que era dela
sem janela no pedal
indiferentes independentes!...
não faz mal
ponto final
05.05.14
91ª viagem
vestido da voz que animava os seres
os vapores da palavra
encontraram as sapatilhas da dança,
uma cremação de beijos
atravessou o corpo do poeta
uma fome de sol esculpiu
na atmosfera um circulo
sonoro
a dança das palavras tinha encontrado
a vegetação animal
o poeta viu
a forma do seu cansaço e um destino visível
o movimento para a alegria mínima
no interior da manhã
o corpo curou-se da parte comercial
as margens do vendaval em ruínas
ponto final
04.04.14
90ª viagem
era outrora
quando os poetas exorcizavam
as palavras - lágrimas
de dor
em direcção à matéria solta
era outrora
na nervura do tempo
que os castigos dados às imperfeições
deixavam brilhos de inquietude
nos andaimes dos novos nomes
outrora
um circulo de espanto e frio das mãos
nas proximidades de hoje
ponto final
01.05.14
89ª viagem
se o chão
guarda segredos de vidro
não te esqueças, porém,
da inquisitorial beleza dos enganos
todo o mármore da terra
é de manteiga se te aprouver
ponto final
30.04.14
88ª viagem
a vida é
a nossa fúria
e o nosso esconderijo
habitamos nela com
uma única porta de saída
a morte
ponto final
29.04.14
87ª Viagem
feliz noite de sombras prateadas
corpos languescentes comendo
algures gelados nas esplanadas
fios de brisa caindo
sobre cadeiras espaldadas
vive corpo, soberba luz
de um redemoinho eterno
não te canses deste ou de outro
qualquer inverno
sobre o alugado momento
aqui e agora força é da vida
que se desdobra
na aura de um pensameto
tutelar o absoluto dum instante
é aqui estar
maresia de um beijo
no espaldar do vento
ponto final
28.04.14
86ª viagem
caminho ao encontro de mim
sem baixar os braços para o cemitério
paladino de todas as ausências
força dos ofícios que os laços
prendem dos músculos aos ossos
crisalamos perpétuamente ávidos
no átrio da levitação dos nomes
xaile da minha avó
soberbo entreposto
entre a vida e a morte
ponto final
27.04.14
85ª viagem
um português nunca diz - é, faço, - diz sempre, talvez,
porque talvez é o tempo em marcha lenta
o tempo da verdade
Nunca ouve as notícias de hoje
prefere sempre as de à manha
ponto final
24.04.14
84ª viagem
passa um cão pela trela
mas é em mim que passa
a graça de uma emoção singela
nos ecos do viver da praça
não é nada, é uma ternura voando
sementes de árvore sombreando espaços
pequenas névoas de meninos saltitando
destruindo a sombra de penedos e alguns sargaços
ponto final
18.04.14
83ª viagem
cansado, dos gritos da vaidade
das lagartixas rastejando açucares,
loendros erguem justas lealdades
entre amores de rãs e nenúfares
ponto final
15.04.14
82ª viagem
a semântica do vento
nos espaços alargados
cria arcos de violinos
nas abas dos telhados
o vento semântizado rodopia
no espaço articulado
zunindo nos fios a melodia
daquilo ainda não alcançado
braço alargado ao infinito
estou no cosmos, ogiva de mim,
estou fora porque o acho bonito
estou dentro porque nasci, enfim!
ponto final
12.04.14
81ª viagem
construindo palavras
com o fogo descalibrado do tempo
palavras ruína
em espiral de descontentamento
volúvel amontoado de aspirinas
dores de vírgula e rotinas literárias
aspergindo
-- outras quero, libertas de emoções
sobre planuras desertas,
sem rasuras e contrições
palavras ao trambolhão
ferozes de o ser
que neguem as contradições
deste reduto a arder
palavras de quentes tremendo
palavras na mente aos pinotes
palavras cavalgando contrafortes
em dias sem chuva chovendo
palavras que eu quero assim
em grandeza da razão
sem ser palavras de botequim
rompendo verdades do chão
com a carne por moldura
rasgando a escravatura
desta nossa solidão
ponto final
27.03.14
80ª viagem
palavras nascidas do cio das rugas
tenaz fulgente de olvidadas luas
mostra a estes pobres duendes tuas planuras
neste corpo megalítico em ascese de vulvas
corpo traído em castigos infernais
corpo abelha volátil de mil sinais
corpo subtraído aos históricos vendavais
corpo múltiplo, odre de páginas abissais
corpo regulado pelos astros
pelo cosmos infinito
corpo só voz com sinais de atrito
- libertem o corpo das fomes infinitas
deixem crescer nas tripas folgas nutrientes
que se dejecte pelo ânus muitas caganitas
sejamos vitórias de contradições conscientes
ponto final
24.03.14
79ª viagem
uns ministros patetas
ministérios ainda mais
querem guardar em gavetas
um saber de pardais
constroem ideias sobre um cabelo
pestanejam sobre alguma bruma
enfrentando um pesadelo
são ávidos de coisa nenhuma
ministros e outros tantos
fingem voar - sem encantos
açoitando outros desejos
- são como escondidos percevejos
saem à noite de escondidos cantos
causando duros tormentos
ao sonho de muitos talentos
ponto final
19.03.14
78ª viagem
estou dentro e estou fora
num sentir augusto de crisol
viver de névoa que se evola
clépsidra de cetim em arrebol
num espaço infinito de rendilhados
graciosas árvores que o tempo sustem
sobre algum verniz escondendo os sustos
andam nuvens altas com ar de desdém
tão belas são, tão voláteis no azul celeste
que preso fico no seu véu, aquém,
esquecendo as tempestades que sopram do oeste
impando de força e deixando-me refém
ponto final
17.03.14
77ª viagem
quinhão da aventura
português dos mares
lavrador de solidões e sal
amizades no gume-da-navalha
soltando o ímpeto da corça
em regos de viagem
cantando o orgulho
das ébrias manhãs
em barcos de costa
- desces do teu carro azul feito mar -
então não andei a apanhar ameijoa!
atravesso a Hungria, vou à Austria
tenho sete dias para chegar à Alemanha
vou à boleia!
canta a tua alegria em léguas de esperança
Quinto Império nas solas do sapato
névoas de núpcias e vinagre no Cabo das Tormentas
quimeras de assombros em pernas-de-pau
sombras de ferro agrilhoando
o vetusto herói.
quinhão da aventura
em sandálias imperiais
ponto final
12.03.14
76ª Viagem
nuvenzita, cristal de uma bebedeira
num céu tão grande azul
manto celeste ao colo aconchegando
terra filha violada pelos alcatruzes do tempo
mesa de pão embora
neste laço sentimental encoberto
deleite do quase nada a dar ao passo a passo
nuvenzita, cristal de um bago de arroz
TÃO ALTO
lá no alto tão alto tão
TÃO profundamente ALTO
nos corredores do corpo despido
roçam as tuas gotas
pela pele assobiam
os clamores das desertas sementes
ponto final
08.03.14
75ª viagem
Há musica na esplanada
- fuligem de vinho
de alegrias velhas
poeira luminosa de árvores antigas
transeuntes voltados de costas
para o silêncio
no passeio
é azáfama emboscada por pardais
com olhos de vidro
na avenida da Liberdade
a música continua à sombra
da liberdade
ponto final
29.01.14
74ª viagem
o Mundo é tão grande
e o meu pensamento tão pequeno
vou eu pensá-lo, agora?
se algum pensar te aflora
não o penses, ignora!
deita o pensamento fora
pensar só te isola e cansa
é melhor viver no entretenimento
e na dança
há ainda um profundo saber na ignorância
pensar o Mundo é um pesadelo,
melhor que pensá-lo é vivê-lo
e melhor ainda, é tê-lo
possuí-lo sem zelo e sem pensar
são verbos exactos desse bazar...
não penses, deixa o pensamento passar...
e quando alguma coisa te faltar,
- o lamento já é um pensamento -
diz, diz só:
tive azar!
ponto final
22.01.14
73ª viagem
Há um regato de água
no chão do meu pensamento,
não vejo que haja alguma fraga
corre nele sem tormento
É tão leve de o ser
na corrente que o pensar tem
que pensando-o, sem o querer,
pesa embora como pesa alguém
E neste pensar de água
em que o pensar se vai
fica meu corpo sem mágoa
no peso em que se esvai
ponto final
19.01.14
72ª viagem
burilando nas copas teus enxovais
onde sentindo verde te procuro
pelos átrios acústicos dos vendavais
às altas hastes me curvo
ponto final
14.01.14
71ª viagem
neste mundo em excesso de gordura
em ancas com refolhos intestinais
andam lúgubres olhares sem verdura
em incestos de carnes venais
ponto final
12.01.14
70ª viagem
meu corpo inteiro e nu
visto do lado de fora
é como estar em jejum
no tempo, a qualquer hora
é um barco encalhado
nos sargaços da maré,
as pernas p´ra qualquer lado
e os braços aqui ao pé
sinto a fome de o ter
nas fontes do seu coração
alegrias do seu viver
nas noites de perturbação
ponto final
05.01.14
69ª viagem
o trabalho escravo
já não alimenta a urbe...
e o poeta diz: - os livros
são para dar companhia!...
e eu fico lobcooptado e em transe
lutando contra esta apatia...
ponto final
30.12.13
68ª viagem
na paisagem envolvente
no sentir e no sentido
há uma música brilhante
um brilho no ouvido
encantatório nivelamento
anelado ao calor do sol,
viagens no pensamento
com luzes de tornesol
ponto final
27.12.13
67ª viagem
tu que me trazes envolto
neste ardor supremo a que me reduzi
diz-me se ainda sou eu revolto
quando de ti em mim me despedi
não há nada que de ti me distinga
sou eu e outro e mais ai não vai
neste ser tão avaro quanto ignoto
constrói este estar que em ti se esvai
e perdido num querer sem ter querido
estou tão perto de mim que em ti me oiço
nada está tão longe e tão perto
deste fazer e desfazer
que um sol que brilha encoberto
e a sombra do sol por acender
inda procuro o que serei
em suspensão me encontro
procuro neste orvalho absorto
na voz em que te procurei
não te oiço não te vejo
de longe em mim estás
acendo em mim o teu beijo
em mim nele me verás
ponto final
20.12.13
66ª viagem
saudades tenho das palavras
que nunca disse
neste longe corpo
por as encontrar
em janelas
em que nelas me visse
jurando por elas
que as iria amar
ponto final
18.12.13
65ª viagem
hoje sou um animal
diferente
despejei o ego
fui p´ra taberna
encontrei uma moeda
dei-a ao que estava sentado no banco
(esgrimia o frio com as pontas dos dedos
num cigarro a fazer)
tens que olhar para o chão...
há lá sempre coisas inverosímeis
hé...hé...e guardou o pecúleo
na taberna e ser
a amostra de corpo
sem fronteiras
imaginação alagada de cansaços
atmosfera redonda
circunstâncias alacres
horizonte de vícios
mergulho no mim
lavado de afazeres de ontem
centrifugo a vontade para gato branco
deitado ao sol
não é preciso ir à praia
derramo-me bocejando água e espuma
sou agora
ponto final
17.12.3
Nº 64
herdo os crepúsculos
das trágicas heranças
caminho devagar sobre
as gretas do amor
fareja os cheiros que eu não posso
o cão
é um momento claro
liberto o dia
sujeito-me à sua respiração
ponto final
15.12.13
63ª viagem
caminho com o chão
neste mar de sombra
cantar com braços curvos
a terra gretada
não há cemitério do tempo
quando, as flores...
lírio do sol que me abraçou, ou...
pureza de um ventre verde
não é do susto que nascem as tuas saudades
embala-me este habitáculo de nuvens agrestes
sóbrias constelações
ó corpo desventrado e ao sol
sincroniza teu ritmo com
a cibernética da palavra
olha o chão com o vagar da demora, não cuspas
veste os passos teus nas palavras que doem
abraça o coração em fogo que nos cerca
não há templos sagrados
há o beijo que me destes
quando ainda eu não era
como as tuas favas
no corpo que me espera
sementes do meu olhar, sem...
ponto final
09.12.13
62ª viagem
a realidade não dorme;
no pleno uso dos meus direitos
adquiri uma fábrica de fazer Nadas
com um quase nada de investimento
transformo-os agora em Coisa-Nenhuma e
vendo-os a quem está Cansado de Tudo
ponto final
01.12.13
61ª viagem
É pena que haja homens e mulheres que só tenham poesia nos braços
Sempre há um buraco no chão para onde despejar a força muscular
o destino fuzilado
Hoje é um dia com as ágatas de luto
A comunidade cientifica verifica que para o homem perfeito
domicílio natural na elegância do mundo
há sempre um pelo de prata que falta na barba
um ácaro agarrado à pele ou
a carcaça dum elefante debaixo duma unha do pé
e tudo isto me provoca no meu pequenino coração
uma espécie de sombra do cantar da cigarra
Será possível que o amor nasça do caos?
ponto final
14.11.13
60ª viagem
viva com paixão ou sem ela
viva sempre no labor
da vida em combustão
Viver é a única verdade
que ao mundo trás nossa solidão
ponto final
11.11.13
59ª viagem
a tua fotografia
esburacada de eu a olhar
na minha mesa de cabeceira
olha-me entre os clamores do deserto
é uma frágil mistura de papel
e angústia, amarrotada embora
na luz dos arvoredos pela sofreguidão do tempo
trilha os carrilhos
das rosas no quintal que
me encostam aos veludos dos caminhos
soberbas aparências de pétalas e vinhos
triturando o sangue da memória
ponto final
03.11.13
58ª viagem
tropeço no teu corpo com esta paixão
- escrever como se fosse um sorriso,
teu sorriso -
proveito de mim na escuridão das emboscadas,
cavalgar na floresta dos teus dentes
abrir teus lábios aos reflexos luminosos
das folhas verdes e maduras,
descobrir as palavras escondidas na boca branca
limpar o som nas gavetas da língua.
cativar o indizível dito
para além do som e do gesto
ponto final
31.10.13
57ª viagem
No céu aberto
aquele avião
um risco deixa
no meu coração
Nos céus desertos
em sonhos altos vão
rumos incertos
naquele avião
Na longa viagem
e na imensidão
é meu coração
aquele avião
ponto final
25.10.13
56ª viagem
Um ministro singular
Crato de seu nome
ao alemão nos quer igualar
pensa que sabe pensar
Logo no início a diferença
no ensino quer criar
"aluno sim o outro não"
cria assim a diferenciação
muito cedo no estudar
minha mão
dentes de cão
coçam na pele
sua comichão
Um destino quer dar
numa régua traçado
como se o português singular
ao alemão fosse igualado
Pensa que sabe pensar
com um riso albardado
deixa inserto no ar
sepulturas do nosso passado
minha mão
dentes de cão
coçam na raiva
sua comichão
ponto final
18.10.13
55ª viagem
olho a cadeira em frente
e nesta outra meu corpo sinto
no atraído corpo pesado
na instância do seu prazer
esqueço que estou sentado
suspendem meus olhos o ver
outro sentir, este gustativo
que nas papilas verdejam
desfaz o peso n'olfactivo
e vozes luminosas adejam
fica a existência duplicada
entre o peso e a levitação
de mim fico sem nada
estar onde eis a questão
ponto final
16.10.13
54ª viagem
quando as pessoas
na sua individualidade
querem ser mais que povo
ganham ódio ao possível povo,
penso
ponto final
10.10.13
53ª viagem
todos os átomos são diferentes
todas as moléculas inenarráveis
o mundo como representação
são possíveis infindáveis
ponto final
08.10.13
52ª viagem
se eu pudesse
suspender teu sorriso
no indomável corpo meu
e, aí, sem aviso
prendê-lo
ao fogo que me prendeu...
consta que a níveis submersos
onde o desejo se esvai
fica a saudade destes versos
no sorriso dos meus ais
ponto final
07.10.13
51ª viagem
cansei-me de olhar o umbigo em redor
e sem acção encostar o ouvido ao tempo
inventar árvores em noites adormecidas
enterrar as pétalas dos girassóis
em lengalengas
bem-me-queres mal-me-queres
o ácido das palavras solitárias
pode corroer o corpo
nenhum amor passará
pelo buraco duma agulha
se um só níquel
restar no fundo das algibeiras
ponto final
03.10.13