As pessoas vão, escorregam para o lado incerto de um nada, e
sobre o nada ou do nada não há nada a fazer, – talvez auscultar a memória daquilo
que em nós resta, presentificá-la com as soberbas palavras e a desinfectada
razão; cumular dos nossos desejos e afectados pressentimentos.
Digo então:
Soneto informal
Agora a minha
respiração alonga-se, mas o calendário (da respiração) pode sufocar. É um medo
que cobre qualquer orgulho, mas também uma ponte com memória; a fricção dos
nervos desdobra os retalhos das paixões e deixam nuas as paisagens com
fósforos; alegra-me o Inverno e os contos de fadas da poesia. Naturalmente,
entre a poeira dos sentidos, abraço um dia de sol.
Onde param as efemérides que assolaram os tesouros de algum
dia, onde estão as caixas dos ébrios acordes, as violentas noites do silêncio? –
onde estão os teus sinais, a doce caravana dos teus cabelos, a amizade que
deixaste na garganta? – na curva dos teus olhos verdes soltam-se os vidros que
respiram; na azafama da torre sangrenta não há notícias desses campos
empresta-me o sinal da tua dor para que vença o medo
liberto está o dia quando a noite se apaga
e deixa cair a mão sobre os ombros da não servidão
do canto da voz eterna resta o silêncio das palavras
na foz do contentamento apagam-se as luzes desavindas
mas o furor que nos ergue não deixa sombras na pele