segunda-feira, abril 30, 2018

O algoritmo da palavra




Êú não sei o que dizer, pronto estava querendo falar do meu ser de menino, nesse êú antigo onde dormia e acordava tranquilamente; o êú que tinha a fantasia de uma bola de cristal por onde via as sombras de mim subindo em animados fontanários; hoje quero voltar ai, de onde este sítio desfalecido até àquelas margens sem cansaço e com olhos grandes de ver amendoeiras, pinheiros e ninhos de pássaros com seus ovos mesclados de pintinhas coloridas; pergunto onde estará esse êú, que quero animar-me de vê-lo, o que fez com a sua trança de tempo, se é que amareleceu de um estio invernoso e se pasto é de mim ainda
Êú quero singrar na avenida aberta desta comoção que me leva ao dólmen dos meus braços, quando ainda de gatinhas pisava os arabescos do que por ai apalpava, - se ê ú agora for de mãos dadas a esse meu encontro, que silêncio de não encontrar ai algum êú, nem mesmo na esquina do meu olhar, - sei agora que no berço pairava um pequeno fogo de revolta, uma acidez de choro birrento, mau génio de rabo levantado ungido de desejos travessos, - meu corpo será de uma fofinha carne, talvez já meu êú questionasse o porquê de não voar se era pássaro na gaiola
Daquele nimbo de fofinha carne dizem-me que danado me agarrava às maminhas de mulher amiga, e gulosamente as chupava, quando ainda escurecido o ê ú se encontrava na tépida macieza da pele, - estava lá afinando minha gula de pequeno vampirinho sugando a natada, mas nada disso recobra claridade, o êú era ainda aquele nada do coração que bombeia e não palpita, ânsia com sono de terra lampejando, foragido carocinho da líquida sala da mãe, e se calhar era já fome do ê ú escondido nas rosadinhas faces, - chegado aqui, olho e tudo foge, como se nada tivesse sido, nem caroço
Do meu ê ú pequenino restam esmorecidos fogachos, nem azulados tão pouco, de amolgada lembrança, - será que ê se esconde debaixo da pala mental, e ú assobiando passeia de lá para cá em contraluz de mim? - onde procurar meu ê e ú senão na fofinha drenagem do fechado cérebro ou no sangue que o levou ao coraçãozinho, logo vejo que ê ú não é pessoa mas duas letrinhas apenas e que fazer com duas letrinhas acachapadas à janela do coraçãozinho estando perplexo, -  o êú quero mesmo se mudo e não mais duas letrinhas for na garganta cabrita, - quero meu êú mesmo que só lânguido velar no choro perdido no tempo