...e saio
pela porta da entrada
o espaço oposto ao declínio, onde posso
aguardar o passado e restituir a mensagem das árvores visitando as portas
acudidos pelo prazer; saio pela porta emblemática, no jardim da renascença dou
passos envoltos nos mistérios dos espelhos, das águas que abrem caminhos sem
luto na cidade envolvida na grande festa da agitação; - os carros voam nos
subterrâneos, deixam rastos de vernizes na atmosfera bolorenta, dão socos na
imaginação em fuga desesperada dos semáforos e às linhas brancas dos asfaltos;
- deambulando pelas frestas da cidade encontro-me no passado, o grande armazém
das vulneráveis recordações; insinto o
moço tentando voar no degrau acima das calçadas, um palmo desviado para a
alegria, entregue à baralhada imaginação; o espelho daí está aqui, resgatado e tropeçando
nos entulhos das visões sangrentas, entrando pela porta da saída, vulnerável à
inquietação e á memória; - entrando e saindo, saindo e entrando habita-se no
mesmo espaço? erguem-se degraus no alvoroço da mente, desagua-se na frouxa luz,
bate-se à porta dos espelhos? - a flora habita-nos como o endereço dum destino,
pressupõe a adesão à errância e ao estábulo; na conservação da natureza nascem
flores no peito; a cidade cospe-me para o lado, virtualiza a adesão
é no grande Palácio que me encontro, onde miro
o Miró, - o grande palácio e as suas pedras, os arcos, as fachadas, o orgulhoso
janelame alinhado como um exercito fulminante pairando sobre a colina, casas diminutas
aos seus pés assessorando o destino
comum e díspar, a toalha azulada e verdosa da água enrolando o horizonte; pela
distância das janelas filtra-se o universo, do longo corredor emergem as
alcovas de príncipes e princesas; aos olhos o cheiro principesco dos pentes de
marfim e panos acetinados, ao olfacto a visão do bolor do tempo, as rugas na
velhice dos panos e seus antigos usuários, retratos pendurados sopram ainda
ventos nos peitos comovidos dos visitantes; a história empastada em veludos e
canapés rói à distância o nosso tempo enfadado e misterioso; - mirando os mirós
descubro as evanescentes paisagens rebuscadas nos riscos solitários e manchas
agrestes, a violência dos trapos e das alcovas, desertos da imaginação truncados
por açodadas manchas cromáticas arrebatando o espaço desconectado; outras,
suaves como filantrópicos acasos do olhar, perfumes centrifugados das manhãs
celestes, paixões ainda temporãs e tímidas; - sem pessoas, o mundo virtual
acusa a realidade de prosaica, remete para a substância de um mal menor, engaja
o trôpego viver nas nuances da caligrafia; quando parto, sobre a ponte, já é
noite, e ao longe sob a esplanada escurecida, um manto luminoso de um amarelado
plangente eleva-se até ao Grande Palácio que nos vigia mansamente