Outro mundo é possível... IV
O Romeu nos Gorjões
Não como passarinhos...
Éramos ainda gaiatos, caminhávamos pela verde marcha da
vida espraiando-se em doces primaveras, quando nos conhecemos, naquela escola afável
e subtil, que nos envolvia em emoções fortes, protegendo-nos das nossas
fraquezas
Um dia, puxei-o a este Sul, a esta terra garrida de azul
febril e de um Sol ácido e doce, como laranjas atormentadas
O tempo tem a espessura das nossas emoções, ainda que
voláteis, segregam humores tributários das nossas grandezas e misérias;
nómadas, regressam sempre aos lugares que ocuparam algum dia
Normalmente, trepamos na idade agarrados ao chão; o chão
sustenta-nos como o leite materno ao menino; desperdiça-lo, um abuso de
confiança, é! - um mal entendido que acorrenta as nossas vidas
. os bichos comem-se uns aos outros; maldição dos corações desnudados
–
A terra contagia-nos pela macieza dos cheiros, a doçura dos
cânticos das aves, a limpidez dos sons nocturnos, - a febre da criação entre os
grãos terrosos, como aço escorregando das gavetas abissais, dá força aos dias; -
não há lacunas no tempo envolvido na prostração das raízes debaixo dos estercos;
pressente-se nas janelas da escuridão o rejuvenescimento dos corgos; a cor dos
ventos aviva a lucidez do olhar; debaixo das manhãs carregadas de névoa habitam
as nossas dúvidas, mas, quando o sol penetra em círculos agudos pelas fendas da
memória os dias crescem, até ao passado indomável
Naquele dia de rosas, os pintassilgos voavam em bandos, com
as asas listadas de amarelos garridos; tempo de chuvas doiradas que cercavam os
passos com a prontidão do reverdecimento; nos anais destes lastros avivam-se as
pegadas dadas, e, as marés imploram as dores dos oceanos, avançando e recuando
Havia a beleza e a penúria como um adágio forte e
delinquente, por isso, os passarinhos morriam enganados, debaixo do murmúrio
nocturno; - os espectros luminosos esquentavam as pedras duras, os torrões
ensanguentados, despidos pelos arados
Na cozinha ergue-se o pranto dos vivos, e o brado dos
pratos vazios adorna as consciências; - os passarinhos e a loiça branca; a neve
e as feridas dos olhos; os fritos e as mazelas das odes triunfais;
voluntariosos e danados apetites como sombras musculadas de um cio negro, - as
aves não mais cantariam debaixo dos olhares campados
Ele, o amigo, modulava o arnês do futuro com a convicção de
um deus de mármore, e dizia: - não...,não como passarinhos…!
O Romeu I
Desenho a pena sobre papel
30x21
Colares 2019
O Romeu II
Desenho a pena sobre papel
Desenho a duas mãos Adão e Romeu
30x21
Colares 2019