Cruzo as avenidas pelo lado da incerteza, inúmeros
os passos que voam, inúmeras as alegrias do fogo; passo a passo cruzo, encontro
os sons que chocam com os arbustos; os desertos da passagem do tempo e também as
andorinhas da Primavera; nas avenidas os passos encontram as lamúrias dos
desastres, suspendem as horas de luto acomodando-se às incertezas; indo pelo
passeio as folhas caídas enrolam-se ao destino, viajam numa quietude de
amargura sonolenta, doída e mole, como cera derretida pelo fogo que ilumina –
pequeno astro de cintilações pusilânimes; o passeio na avenida é um verde de
absurdo opaco, a glória da fantasia que anima; se um dia passar para o lado de
dentro da escuridão, como viajarei? – é na avenida que o andar é um mastro da
solidão com argolas do destino prendendo a felicidade; o alheio de mim, num cruzamento
de atordoamento e precipitação incorporado aos passos soltos, na manhã solarenga;
cavando nas formas abstractas da imaginação solto os pés como pássaro da
madrugada afogado em chilreios breves e contínuos – corpo reluzente de finuras,
de arabescos da vaidade sacudindo a atmosfera vertiginosa e eléctrica; percorro
o frio do calcário secretamente absorvido pelas frestas duma amizade de qualquer
coisa, - talvez uma laranja, uma formiga empurrada pelo vento ou uma gota de
água no oceano; há um calendário sinuoso no vazio das palavras que se acolhe às
legendas da emoção; tecido flutuante como vela críptica dos músculos procurando
um voo no precipício; um passeio é um rasgão na tristeza; um círculo de entusiasmo
finíssimo nos arredores da pobreza.