domingo, outubro 24, 2021

Outro mundo é possível



Leitura Furiosa
desenho a grafite sobre papel 21x14.5  - 2021 
 

Leio no café…, eternamente! – abro no calendário do tempo os segredos calorosos, as virtudes mefistofélicas dos espinhos, as águas estagnadas dos nervos; desejo involuntário de percorrer campos de sedução, abismos da memória ou simplesmente traços, arranhões dos olhares; tudo são desvios, perfis suportados pelos alentos procurando a sintonia do fogo com a água, beija-mão do encantamento como sinais de todo o universo na voracidade de um labirinto azul; sujeito à delicadeza das pestanas verifico os assuntos amorosos, os contratempos na rotação do sol, os atritos da fantasia; enxergo as translações dos vícios deslizando pela palma da mão, por vezes rebuçados manhosos de avidez intolerante; docemente aconchegado na eterna paixão abro o leque de visões dos crepes do viver com abordagens de carrossel – é a densa matéria porosa a si mesmo aquentando o impacto do sofrer, a ligeireza da nuvem negra alijando a sua malícia num fervor de glória e abstracção; lívido me encontro na irmandade pungente, na tacanhez do sal dos olhos, nos corações amortecidos como ramos de oliveira no chão caídos; vou lendo com olhos de descanso e solicitação, como passageiro volátil, como viandante canhestro e presunçoso circunscrito pela fulva escrita; abro o tempo à lucidez da imagem nesse fogo de consternação e alegria sobrevindo da comoção, da entoação sonora dos opúsculos invisíveis como laranjas ainda na flor; é um olhar de minúsculos avatares entrosados com as pupilas do coração rente às mãos quentes do papel, às vírgulas dos entreténs dos sonhos; inóspitos e solenes são os abraços sem memória na inépcia dos dias, nas íngremes curvas dos beijos derrapando nos ossos das querelas afins e absolutas; tudo são olhares num delíquio sulfuroso derretendo a matéria porosa e salivante, sementes dum infinito passageiro como a pele dum fruto insondável. Leio eternamente no café resguardado na perenidade da escrita, na força da escultura de bronze resgatando do seu peso a delicadeza da forma no esverdeado da floresta dos termos.