Ausências
Pintura a óleo e lápis de cera sobre fundo de madeira
96x64 Anos 10
Vogando
no sentido aéreo da existência, na transparência da emoção sob as curvas
desenhadas dos jardins, sobre a relva, debaixo dos ramos e sua sombra
projectada na glória dos tímidos passos; tilintando as pegadas, esfregando os
lençóis dos desejos, despojos dos sonhos ultravioletas acomodando as ambições
veneráveis dos sentidos como substância palpável; andar de esquecimento à parca
realidade circundante, volátil abeiramento do outro e suas glórias verticais
ascendendo, mitigando; – sigo a névoa deste caminhar, pisar dos meus passos deambulando na
irmandade do folhedo; jardim de árvores roçagantes incendiando a auto-estima na
praça pública; alegre ribeiro dialogando nas margens; o cheiro do alecrim
nestas palavras, digo, torpedeando os seus segredos, os seus ângulos secretos
que mansamente nos atormentam; esta púbica saudade de mim sem transe no vértice
prosaico da hora, arrumando o quarto de lua no átrio da casa; o corpo desolado
num arco-íris permanecendo intacto e fortuito, fermentando na lonjura, esponja
de sangue abreviada num tempo de dúvida e sigilo; os continentes da solidão movendo-se na
incerteza das promessas –, corro, e regresso entre os ramos que me adornam como
coroas duma alegria sustida, suspensa e balançante; surdina de emoções roçando
a pele como pássaros cantando nos nervos –, Ó pureza suplicante ajeitada à
planta dos pés que caminham na sombra das rosas e dos temores; espigas, tão
duras na manhã silvestre, caindo este prazer no chão que a terra veste; flores
do campo que me olham no lilás dos seus olhares crescendo, balão ao som dos
ritmos banais e destruidores; torturar a realidade, procurando-a como formiga
no carreiro, dar voz ao silêncio sacudido pelas palavras. Mutilados encontros.