XVIII
Começar a escrever pelo lado do avesso – o lado mais puro do abandono -- um solilóquio de palavras soltas, inéditas -- e na sua voracidade de nada dizerem -- o outro lado onde a natureza mãe nos golpeia com os ácidos do obscuro
Palavras hibernadas e em contra luz
Manhã -- a manhã quente que devora os
homens na superfície dos mares
Voz -- a voz que escreve nas ardósias o
pulsar dos corações
Elástico -- o elástico matinal onde o
luar se esconde
Claustros -- os claustros da garganta
onde o som se torna eterno
Realidade -- a realidade descrita como
uma pulga saltando do berço
Objecto -- aquele objecto que não existe
-
uma panela ao lume fervendo alguns
diamantes evanescentes
Sombra -- a sombra envergonhada na
algibeira do pensamento – palavras negras
inconstantes sem farmácias
por perto
Sonora -- sonora manhã encostada à lavoura do trigo –
homens com forquilhas
penteando os azedumes da vida
Começar a escrever pelo início da
interrogação
-- onde está o alarido daqueles que nada
dizem?
-- onde estão os gestos que escondem o
sol?
-- onde está o caminho que andando não
faço?
-- onde está a borboleta que deu a volta
ao mundo?
-- onde está o veneno que rasgou a
atmosfera?
-- onde está a sepultura onde nasceu o
menino Jesus?
Escrever sabendo que os labirintos que
nos escondem são besouros ardendo na enfermaria;
dizer,” bananas” e crescer água na boca
é sinal de que as como?
Gostava de começar a escrever pelo lado
do avesso onde a intriga do silêncio é desinquietação da claridade