terça-feira, setembro 22, 2015

O algoritmo da palavra


XVIII

Começar a escrever pelo lado do avesso – o lado mais puro do abandono -- um solilóquio de palavras soltas, inéditas --  e na sua voracidade de nada dizerem -- o outro lado onde a natureza mãe nos golpeia com os ácidos do obscuro

Palavras hibernadas e em contra luz

Manhã -- a manhã quente que devora os homens na superfície dos mares

Voz -- a voz que escreve nas ardósias o pulsar dos corações

Elástico -- o elástico matinal onde o luar se esconde

Claustros -- os claustros da garganta onde o som se torna eterno

Realidade -- a realidade descrita como uma pulga saltando do berço

Objecto -- aquele objecto que não existe  -  uma panela ao lume fervendo alguns            

                 diamantes evanescentes

Sombra -- a sombra envergonhada na algibeira do pensamento – palavras negras

                  inconstantes sem farmácias por perto

Sonora --  sonora manhã encostada à lavoura do trigo – homens com forquilhas

                 penteando os azedumes da vida



Começar a escrever pelo início da interrogação



-- onde está o alarido daqueles que nada dizem?

-- onde estão os gestos que escondem o sol?

-- onde está o caminho que andando não faço?

-- onde está a borboleta que deu a volta ao mundo?

-- onde está o veneno que rasgou a atmosfera?

-- onde está a sepultura onde nasceu o menino Jesus?



Escrever sabendo que os labirintos que nos escondem são besouros ardendo na enfermaria;

dizer,” bananas” e crescer água na boca é sinal de que as como?



Gostava de começar a escrever pelo lado do avesso onde a intriga do silêncio é desinquietação da claridade