intervalo sonoro, redundância um
chegado lá,
sob o pranto escuro da noite, os olhos espraiando-se sobre calçadas e águas, riscos
sonoros deixados sobre elas, as calçadas, e vigílias soletrando os segredos
marítimos, sobre o mar pasmado de solidão, a planura doce da superfície
enigmática e vegetal da ria, deixo rolar os meus ouvidos ao sabor da linfa
nocturna, rasto dos apitos, do chapinhar das minúsculas ondulações dos pequenos
botes, da luz dando no espelho d´água, esbracejados reflexos como
lantejoulas suspensas em fios de prata,
entre o mar vago e nocturno, lágrimas dos residuais tempos de alguma meninice;
e lá está, rente ao vaguear, o grande barco marítimo, absorvido pela
fluorescência de miríades de luzes desenhando a silhueta opalina sobre o fundo
de um avental negro de viúva; o mastro, dirigido em agulha festiva às estrelas,
resplandece como lágrima pendente para o subterrâneo das águas, festival de
fogo-de-artifício em imersão. Oiço o tu-cá, tu-lá, de vozes alongando o espaço;
entro, no colorido verniz da algazarra pressente-se a noite em vibração;
instalam-se instrumentos, mãos ágeis retiram das cordas rasgões sonoros, sopros
dialogantes soltam-se das curvas dos metais, um baterista ensaia em grinalda de
gestos os contornos graves dos ritmos; é noite de claridades sonoras e apertos;
certos, já se arrumaram recostados nos cadeirões, eles e elas, sorrindo
afoitadamente, os olhos enrolam o espaço
com visceral prazer, jubilo de agradecimento aos próximos actos; espaço sem
sangue, sem detritos, sem desordens nos rostos; afagam-se os tampos das mesas, contido
sinal de apaziguamento; soltam-se os ritmos, as cadências musicais desprendem-se
da atmosfera quente, pulverizada de sensualidade amena, e anoitam nos ouvidos; as
enfeitadas mesas, de copos e garrafas, ilustram as salvas dos bebedores,
enquanto o trio se eleva em solos abertos à imaginação e à catarse; o
saxofonista ronda as mesas filtrando acordes nos corações embevecidos; há
palmas e estrépitos naquela pequena mancha sonora do mundo.