quinta-feira, outubro 28, 2021

Outro mundo é possível

 

 

À mesa do café
Gravura em metal -  prova de ensaio - água forte
35x25 Anos 70

 

 

Passou aquele tempo passado

E eu aqui estou sentado

Sentindo o tempo passar

- Aquele sentir velado

De um tempo que há-de vir

 

O vento entra p´la janela

Na tremura da luz macia

Enfuna a cortina bela

Lembrando um barco à vela

No Oceano de algum dia

 

É um verde de verde limão.

Naquela janela em frente

Uma luz estridente

Expande seu fulgor.

A cortina velejante

Como pássaro cantante

Abre as asas velejeiras

 

E eu sentado e quieto

Vejo o cenário aberto

No espaço despovoado

Nas ondas de estar liberto

 

Muitas mesas sem ninguém

Alguns copos sobre o tampo

Brilham com alguma tristeza

Onde a luz se entretêm

 

A mão vestindo seu tempo

No remanso de um estar

Vai escrevendo devagar

Estes versos que aqui deixa

- Passa o tempo sempre a passar

 

E eu aqui sentado

Neste espaço mui calado

Com o vento que há entrado

Respiro um certo fado

Como um barco de grande calado

 

O verso rasgando o destino

Aqui fica enfunado…

 

 

domingo, outubro 24, 2021

Outro mundo é possível



Leitura Furiosa
desenho a grafite sobre papel 21x14.5  - 2021 
 

Leio no café…, eternamente! – abro no calendário do tempo os segredos calorosos, as virtudes mefistofélicas dos espinhos, as águas estagnadas dos nervos; desejo involuntário de percorrer campos de sedução, abismos da memória ou simplesmente traços, arranhões dos olhares; tudo são desvios, perfis suportados pelos alentos procurando a sintonia do fogo com a água, beija-mão do encantamento como sinais de todo o universo na voracidade de um labirinto azul; sujeito à delicadeza das pestanas verifico os assuntos amorosos, os contratempos na rotação do sol, os atritos da fantasia; enxergo as translações dos vícios deslizando pela palma da mão, por vezes rebuçados manhosos de avidez intolerante; docemente aconchegado na eterna paixão abro o leque de visões dos crepes do viver com abordagens de carrossel – é a densa matéria porosa a si mesmo aquentando o impacto do sofrer, a ligeireza da nuvem negra alijando a sua malícia num fervor de glória e abstracção; lívido me encontro na irmandade pungente, na tacanhez do sal dos olhos, nos corações amortecidos como ramos de oliveira no chão caídos; vou lendo com olhos de descanso e solicitação, como passageiro volátil, como viandante canhestro e presunçoso circunscrito pela fulva escrita; abro o tempo à lucidez da imagem nesse fogo de consternação e alegria sobrevindo da comoção, da entoação sonora dos opúsculos invisíveis como laranjas ainda na flor; é um olhar de minúsculos avatares entrosados com as pupilas do coração rente às mãos quentes do papel, às vírgulas dos entreténs dos sonhos; inóspitos e solenes são os abraços sem memória na inépcia dos dias, nas íngremes curvas dos beijos derrapando nos ossos das querelas afins e absolutas; tudo são olhares num delíquio sulfuroso derretendo a matéria porosa e salivante, sementes dum infinito passageiro como a pele dum fruto insondável. Leio eternamente no café resguardado na perenidade da escrita, na força da escultura de bronze resgatando do seu peso a delicadeza da forma no esverdeado da floresta dos termos.          

  

 

      




quinta-feira, outubro 14, 2021

Outro mundo é possível



O copo sobre a mesa

desenho a grafite sobre papel 21x14.5  - 2021

 

Claridades

Há uma solidão na sombra da casa que me alegra ver crescer…

Tolda-me o vinho como uma serpente enrolada ao meu pensamento, e, daí uma língua bífida golpeia seu anelar de vertigens em abandono e robusto prazer; é um trilhar de suspeitas vozes e brandos cantares abeirados da macieza de vocábulos e seus embustes, - ó língua bífida de contornos azedos e delicados dedos, alicerça aqui o teu ventre no tempo dos arranhões performativos…! Cicatriza todos os males e benevolências açoitadas pelos ventos insalubres nos ângulos venerados de todos os tempos! bebedeiras de todos os instintos, um brado na concha da mão urge em simetria ao silêncio, à violenta vibração do sonhar, ao calendário das incertezas; como mostrar o ventre da linguagem na paciência temporal dos nomes, na imanência dos verbos circunscritos na acção, ao acto feroz do movimento da língua na sumptuosidade dos lábios ciciando como pestanas apaixonadas e cativas; os suores da neblina dos sentimentos afrontando a circulação do sangue, vaza seus infortúnios de alegrias legendando as pulsações como sintomas da matéria agrícola.Há uma solidão na sombra da casa ladeada pelos segredos da inquietação.         

 

 

quarta-feira, setembro 29, 2021

A eternidade é um instante

 

 

  Os créditos da fotografia são da Luísa Ricardo,

numa oficina do LUGAR COMUM

 

 "Uma imagem para um conceito: paisagem cultural."

 

Com o braço pousado

Sobre a pedra barrocal

Vejo o mundo dilatado

Num conceito virtual

 

Ó Natureza bruta

Tão delicada que és

Que dás deliciosa fruta

Pedregulhos com altivez

 

Tons vermelhos acetinados

Na luz sombrosa e esvaída

- Verdes e azuis encimados

Na paisagem colorida

 

Um quase branco rosado

Como um fruto marginal

Naquele braço ali plantado

Numa nesga horizontal

 

Aquele braço estendido

Sobre a pedra barrocal

Trás um novo sentido

A toda a gesta local

 

Pedra sobre pedra redonda

Naquele lugar escondido

Sobre a outra pedra longa

E árvores como um vestido

 

Um muro popre construído

Sobre uma laje navegante

Com um braço estendido

E um leve sentido flutuante

 

É com forte força visual

Que o braço está presente

Sobre a pedra marginal

Ali, na paisagem existente

 

 

 

Coda 

 

Aquela quilha de barco no chão

Num mar da presa terra navegando

Neste lar sempre em transformação

É como volúpia de desejo forçando

Despir neve em triste coração

 

É mar silencioso de estar a ver

Aos olhos de um presente afastado

Ver a quilha dum barco se perder

No barranco do grés encarnado

 

Tão doces meus olhos estão nisto

Vendo na Terra todo o seu mudar

- Ao pensar que estou e ainda existo

Sinto meu colo de sonho a voar

 

 

 

 Da personagem - encriptada

  

Rosa branca flor do mato

No sapal dos montes Hermínios

De nome que aqui não relato

Com saberes em vastos domínios 

 

 

 

Posfácio

Na mudez aberta daquela solidão incerta a anciã natureza de tez agreste, de sonho verdadeiro e recto abre seu flanco de natureza crua, rompe seu calado ventre de insónias brutas e arguta robustez de viandante pesaroso e manso; asperge o pólen da verdade inteira sobre o manto diáfano e líquido – desperta as sombras das virtudes singelas, afaga o corpo, as raízes, o silêncio dela na beira dos matizes verdes e nos crepes da luz intensa; fragorosa rectidão do entalhe…  

 

Aquele braço estendido

Abraçando a rocha dura

Grita por um ser unido

Nesta diversa natura

 

Faz lembrar a todo o mundo

Numa convulsão suspensa

- tens na união profunda

a razão de tod´a pertença

 

É de lá que tu vens

É p´ra lá que tu regressas

- tens nisto alguns porquês!...

mas o resto são promessas