quinta-feira, dezembro 20, 2007

Entrevistas no H M P



Sexta Entrevista



Todos os dias eram chamados enfermos às consultas; lembro-me dum moço, assim forte e um pouco atarracado, aquele que tinha dado um grande peido à minha chegada; este tinha um grande objectivo, conseguir uma pensão de 5 escudos dia, mais ou menos, depois ir para casa e ser distribuidor de garrafas de gás, onde ganharia mais alguns cobres. Andava com um truque: - quando era chamado para consulta dava um “jeito ao pé” e ficava coxo de tal maneira que os médicos por mais que desconfiassem não conseguiam vislumbrar cura. Na enfermaria voltava a dar o jeito ao contrário e aí estava ele lampeiro. Tinha tido um acidente e daí
ficaram mazelas a que ele acrescentava mais aquela.
Outro, não aguentando a permanência contínua na enfermaria, todas as noites “saltava o muro”, e lá ia por essa Lisboa fora; tanto saltou que dos saltos acabou por ficar a coxear.
Histórias ouviam-se de uns que trocavam radiografias e outros que entregavam especturação de outros.
No canto direito da enfermaria estava o herói condecorado que tinha ficado com estilhaços na cabeça, por vezes sem que tenha eu alguma ideia do por quem, desatava aos saltos em cima da cama até deixar os ferros daquela feitos num L, depois desmanchava a cama e endireitava-os.
Todos tínhamos uma farda cinzenta de sarrabeco, casaco e calças. Quando íamos à consulta ao edifício principal, além da farda era obrigatório levarmos um carapuço branco enfiado na cabeça o que dava a imagem de prisioneiros metidos num autocarro.
Por essa altura o Benfica jogou para o Europeu no estádio da Luz, foram levados a assistir ao jogo alguns enfermos com problemas nos membros, o tejadilho do autocarro ia pejado de cadeiras de rodas e outros apetrechos com os inoxes brilhando lá no alto a enfeitar a camioneta comoventemente coroada.
Um dia em que fui à consulta de estomatologia ao edifício principal na Estrela, fiquei de pé numa bicha esperando a minha vez, às tantas, já cansado de ali estar, peguei em mim e sentei-me numa cadeira que estava entre nós e o doutor; qual não foi a ousadia, logo o Dr. olhou para mim e vituperou-me uma, duas, três vezes, como eu não lhe desse resposta alguma, imperturbável mudo fiquei a olhar para ele, desesperado perguntou- me:
- em que serviço está você? ao que respondi:
- na neurocirurgia!
Perturbado, acrescentou súbito: - deixe-se estar deixe-se estar! E eu lá fiquei sentado até que fui atendido.
Entrevista no HMC Nº 6 by adão contreiras