quinta-feira, fevereiro 04, 2021

A eternidade é um instante

 


Paisagem - foto digital Adão 2021

Ver chover - 2

Ver chover! – escrever na transmutação da arrebol; o céu está cinzento e nas vidraças escorrem os áureos torvelinhos de água, escamosas e escorreitas deslizam as lágrimas invernosas dando voz ao espaço, saudação melancólica de bravura aos risonhos verdes das plantas – palacetes da natureza plasmados nos horizontes; é aí que florescem as sonolências do coração, as vibrações do entendimento e do orgulho distraído das emoções; agora, a luz clareia os níveis da constatação e as flores das amendoeiras soltam-se sacudindo o horizonte perdido num frenesim de brancura, os esconsos das alfarrobeiras escondem os espaços amargurados; a natureza titubeia na invernia dolorosa do prazer e da beleza prosaica; um cariz acidulado de bruma veste todo o campo, os montes, os vales abnegados da ambição, as tortuosas raízes dos descampados; amortece o esplendor dos sorrisos numa cave de silêncio liquefeito, sobraçando a fluidez das poças de água, reflectida atmosfera libertária.

Mais um minuto e a desenvoltura da sedução, cai!

 

terça-feira, janeiro 26, 2021

Anos 20

 
Paisagem - Pintura a óleo sobre tela III
 40x50 -  2020

Ver chover! - abraço a chuva como suspirando por um amor, um canto telúrico ou a embriagues do sol; ela cai rumorosamente ou sem rumor na vidraça aveludada em frente, é um cristal aéreo subejando da nuvem  pagã e altaneira na verdade dos astros lá no alto;  precipita-se obliquamente sobre líquenes ou a terra que a aspira gulosamente; ansiosa ela sufocativamente grita em turbulência de vapores exalados; cheira a húmus, a fertilizante dos beijos e dos caules das plantas; das línguas rizomáticas soltam-se os sabores acetinados dos vinhos e dos elixires em esdrúxulas conversas de amotinações dos vendavais; as chuvas deixam nos vidros os riscos da inquietação generosa das lembranças, amortizam a queda das palavras opacas e pesadas sobre o estendal da saudade; a paisagem é a varanda sobre um lençol bordado a lágrimas.        

sábado, janeiro 09, 2021

Anos 20

Paisagem I 
 Pintura a óleo sobre tela - 18x14
2020
 
 
Paisagem II
 Pintura a óleo sobre tela - 14x18
2020
 
 
abre o chão com os olhos
brada ao coração temerário
 
só a canção do desvario
adensa o infortúnio
 
a ligeira doença que nos acode
é um monstro de ilusão
 
o murmúrio da voz não se cansa
- vidro solar ilustrado
precário, feroz
sem morte anunciada
veste o chão que nos acolhe
 
 

sexta-feira, dezembro 11, 2020

A eternidade é um instante

 

 

Foto de Campião - anos 50

 

Aos colegas da Escola António Arroio

Subindo a escadaria de pedra alcançado o pátio ligeiramente superior, à direita, fica a sala de pintura, – alçada ternura de encontros; a pequena sala desdobrava-se em ondas com os afazeres nas horas dedicadas ao riscar no papel cavalinho e cartolinas ou retirando os pigmentos dos boiões de tinta depositando-os nas paletas, – pétalas da jardinagem solene; sentia-se a vibração escancarada nos olhos ao tocar a ponta do pincel nas superfícies ainda brancas dos suportes; no espaço interior do cubículo fervilham adornos ávidos de sensações coloridas com os dolorosos artificies das artes alinhavando amostras de pequenas composições, emblemáticas formas naturais ou inventadas, – embelezados festins de tintas;

entre os alunos reinava um desafio sincero pendurado numa alegria festiva; estava-se num palco representando cada um o seu calor afectivo tão comovente como a audácia dos primeiros passos, – éramos meninos jardinando pétalas;

se o professor reinava era como um ouvinte quase piedoso e amigo acompanhando as esperanças ruidosas dos futuros artistas, que inquietos, se agitavam como borboletas ziguezagueando em busca do pólen, da emancipação dos olhos e das mãos.

 

 

sábado, novembro 28, 2020

A eternidade é um instante

 

 

Deixem-me voar

Subir ao palco da representação

Descer ao planalto e planar

Subir ao vale da sensação

 

Planando vou sem orbitar

Sem orbitar habito o sul 

Sentado estou a voar

- órbita de aberto azul -

 

Planar neste consolo

Longe de tudo perto de mim

- subir ao vale sem retorno

descer a montanha sem ter fim 

 

 Foto de Hélia

domingo, novembro 08, 2020

Anos 20


 

 Refugiados I e II- Pinturas a guache e lápis de aguarela sobre papel
- enquadramento quadruplo - 4x (21x15) 2020 

 

Chegados à encruzilhada de sombras, este ser esvaído cruza o magnetismo dos pólos virtuais – encortiçados sermões da montanha

Anémico, com a utopia invernosa debaixo do braço, as mãos presas aos calcanhares lambujando cerejas nos beiços da aflição – cerejas sumptuosamente agridoces

Está enlatado nas placas da memória e deixou-se adormecer em suaves assobios – os contornos da espuma das praias secas, os óleos queimados da motricidade dos nervos – sopram nos umbigos os rebuçados da solidão

Chegou à taberna da cruzada, vestiu um delicado sorriso azul de satisfação mineral – despejou as saladas e mais objectos sonoros contornando as dores das prestações

O Verão galgou as ribanceiras dos ossos com pés descalços – alastrou e continua…arco íris que penetrou nas cavernas do universo e das pedradas nos músculos – papoilas brumosas da saudade côncava … – lá vão, pelos matizes afrodisíacos das fronteiras com os caroços da vida na mão 

 

  

sábado, outubro 31, 2020

Anos 20

 

 

Pôr do Sol  visto do atelier II 
 Pintura a óleo sobre tela 40x50 - 2020

cruzam-se esferas num céu de vidro e, o dia inclinado a noite aberta propiciam aos tumultos da imaginação elevar o chão da terra à sua nudez

imenso, na vastidão dum céu impoluto o coração amargo voa, um lusco-fusco  da memória avança; no rebordo da mão o canto das aves veleja; tudo nasce da pequena febre da água e do solo augusto da pobre terra

tudo acontece com minúsculas, um verão sem destino, uma laranja aberta com o gume do cheiro, um molho de legumes sem dor, um vidro sulcando o transparente, nós de mãos dadas em voo rasante

e o trigo?  -  esse perpétua ao sol das estrelas a voz sem acentos agudos

tudo acontece em tom de minúsculas  

  

 

terça-feira, outubro 27, 2020

Anos 90

 Trabalho cujo paradeiro desconheço

  
Trabalho à esquerda cujo paradeiro desconheço
Anos 80/90
 
 
Imagens de pinturas recuperadas a partir dum filme 
 
 
 

sábado, outubro 10, 2020

Anos 90




Mulher reclinada - Escultura em barro cozido e que serviu
 de modelo para a realização de outra  em pedra - Anos 90 
Imagem tirada duma filmagem feita na Margem
Trabalho cujo paradeiro desconheço 
Dimensões 60x40x30 ?



 

quarta-feira, setembro 30, 2020

Anos 20

Casa da Achada 

Exposição "as passadas prolongadas noutros passos"

trabalho a partir do poema de Mário Dionísio: 

SANGUE IMPETUOSO

 


Montagem/ instalação com materiais recuperados e técnicas mistas:
 madeira,vidro,cerâmica,plástico:
pintura com tintas plásticas sobre vidro e tela
110x70
 

segunda-feira, agosto 31, 2020

A eternidade é um instante

 

 


Libertei o passado da escravidão de ter sido, Hoje sou o mesmo de outra maneira, O que não fui sem que isso me doa, O que querendo ser ainda hoje quero, Como a água do ribeiro que corria mansa, E que os olhos viam na manhã tranquila, Correndo hoje sem intranquilidade de ontem, O amanhecer do corpo com um senão de dúvida, Na algibeira o tempo limpo sem levantar folhas do chão, O zunido do vento como se fora uma verde canção, Tirar da memória os circuitos impecáveis, Como o chegar à Lua do pousar o pé, O conteúdo é apenas o ter sido, A redacção de português no caderno escolar sem jogo para textoalizar, Pedaço de pão comido que me trouxe até aqui, Tempo que percorro com voz subtil de ontem, Sem mós de moer o cansaço, Duvida que se entrega ao espaço desfolhado, Sou hoje o 


outro tão perto de mim e o de ontem, Pé que me acompanha – tão de longe